May 2, 2007

Fôlego

Tenho me arriscado continuamente em poemas que condensam grande matéria discursiva em um, dois versos, no máximo uma estrofe e o título. O processo é completamente estranho, no sentido de estranhamento (ostranenie). Há um certo estímulo que me destitui inteiramente da capacidade verbal cotidiana e deixa-me apartado dela por um tempo. Depois, no momento da escrita, este mesmo estímulo, o da linguagem, arremessa-me de volta com toda a força que pode e talvez fique de longe para ver o estrago. Normalmente me sinto exausto após alguns destes poemas, como se ele já estivesse sendo remoído há tempos em minhas subjetividade. Como uma espécie de volta à superfície, de quando em quando, meus versos se organizam em outra forma de estrondo. Trago uma delas hoje para a opinião. Estas formas valem pra mim como fôlego, a possibilidade do são e do agradável, mesmo que triste. Saudações líricas a todos e muita muita poesia nestes dias de prosa!

Da capo

Não temas a morte, te digo,
Que já estás morto.
Desde antes és morto
E só vagamente te lembram vivo,
Se te declaras. Assim

Também não te ressintas, grave,
De estares só.
De forma análoga, vives sozinho
Desde mínimo habitante
Do ventre obscuro.

E no fundo, triste, quando me olhas,
Tal se a tristeza não existisse
Acompanhada,
Reclamo visivelmente de tua demora
Em aprender.

E agora, criança, que já reconheces
Em ti o outro e a tudo
Ignoras,
Aproxima-te de mim
E vem conhecer a tristeza.

2 comments:

KahSilva said...

Nossa, que versos densos!Sabe, eu costumava ter essa sensação de exaustão quando terminava um poema, hoje não sei nem mesmo escreve-los, parece que fiquei oca.Já tive outro blog, no qual eu escrevia todo dia e ainda tinha o que escrever, nesse parece que ainda não sei a que veio.Escreva, o quanto precisares, e mesmo exausto ainda continue, pois você tem um dom, e ele não pode ficar escondido.Adoro tuas letras.Um beijo doce, meu amigo!!!Boa metade de semana!!

Anonymous said...

Gostei especialmente desse post. O poema e a introdução tem o mesmo espírito, o mesmo sentimento, estão em sintonia. Geralmente sinto que falas sobre os poemas, como se fossem parte do passado, hoje foi diferente.
Terminei de ler com a sensação de falta de fôlego, como em dias quentes e secos de verão, apesar de ter a sensação de frio no início (pra mim, a palavra "morte" vem muito ligada a sensação de frio).
Ler esse poema foi como me olhar no espelho.
É realmente o caderno vaca resumido, de maneira brilhante, bonita, organizada e sem palavrões, e ainda assim, completa, que transmite sensações complexas em muito menos palavras e de forma muito mais clara que as minhas tantas páginas de gatafunhos.
Acho que a missão dos poetas é explicar às pessoas o que elas sentem. Sentir todos sentem, mas acho que só quem tem coragem de encarar coisas tão assustadoras como a nossa essência, são capazes de entender.
Apesar do peso do poema, da tristeza dos versos, vou dormir com um suspiro, por saber que até a solidão é capaz de aproximar as pessoas (já que me revi no poema).