Jan 30, 2010

Tudo bem? Então tá!

Posso estar errado - sempre posso, normalmente estou -, mas nossa auto-imagem como sociedade brasileira contemporânea mudou um bocado dos anos noventa para cá, não mudou?

Lembra como nos preocupávamos com certa divisão desigual da renda? Com o aumento da população carcerária? Com a educação precária da população? Com a baixa qualidade de parte do ensino no Brasil? Com o domínio do mercado por um número cada vez menor de grandes corporações?

Poderia se pensar - sempre se pode, normalmente - que se trata de uma melhora nesta situação. Em parte, é correto pensar assim. Realmente houve uma melhora. A questão é que houve uma melhora pra gente, pra gente e mais uns cinco países. Ganhamos a corrida continental contra a Argentina e ainda não entendemos bem por que nossos vizinhos de fronteira nos chamam de "os Estados Unidos da América do Sul".

Que me desculpem os otimistas, mas pesquisas globais indicam que as mesmas tendências dos "90's" continuam e talvez tenham se agravado (até a crise de 2009, pelo menos). Então, onde está o resto dessa conta? Sabe quando pegamos alguns números, subtraímos, subtraímos, e a conta não bate?

O que fizemos, de fato, foi passar o abacaxi adiante. Melhor, trocamos o abacaxi pelo petróleo, o Zé Carioca pelo estrangeiro arrivista, a Carmen Miranda pela Wanessa Camargo. Pra vocês tudo bem? Então tá!

Jan 25, 2010

A borboleta e o sábio

Há uma anedota bastante graciosa de um sábio que dormiu e sonhou ser uma borboleta. Ao acordar, não sabia se era um sábio sonhando ser uma borboleta ou uma borboleta sonhando ser um sábio.

Normalmente se analisa essa história pelo viés da impossibilidade de termos certeza daquilo que é real (via, talvez, Descartes), visto que os sonhos (ou a vida) têm essa desfaçatez de parecerem com sua contraparte. Proponho que a olhemos também pela mecânica dos desejos e, para isso, evoco a presença ilustre do nosso melhor poeta para ajudar a conversa (sim, Fernando Pessoa é o melhor poeta brasileiro, como costuma dizer um professor).

"Quero ignorado, e calmo
Por ignorado, e próprio
Por calmo, encher meus dias
De não querer mais deles.
Aos que a riqueza toca
O ouro irrita a pele.
Aos que a fama bafeja
Embacia-se a vida.
Aos que a felicidade
É sol, virá a noite.
Mas ao que nada espera
Tudo que vem é grato. (Fernando Pessoa)

No impasse do sábio reside a lógica mais do que humana de deixar os desejos sempre um pouco adiante. Por isso, mas não só por isso, importa pouco qual das alternativas é real. Os sonhos são o excesso de desejos que nossa vigília não abarca, mesmo os medos, que são sonhos do avesso.

Desde pequeno, acostumei-me a dormir depois de invertar-me histórias intrincadas. Por falta de criatividade - minto, por causas mais graves do que essa -, venho tendo dificuldade em enganar-me com sonhos, árido de desejos e medos. Tenho dormido pouco, portanto, sem poder sonhar-me algo para duvidar de quem sou.

Jan 23, 2010

Ensaio pouco inspirado

Não acredito na inspiração dos românticos. Aquela que assalta o artista, vinda de "algures", e traz uma obra de arte pronta. Também não acredito na inspiração dos (digamos assim, pela simetria) clássicos, que é fruto exclusivo de trabalho, dedicação, esmero, aperfeiçoamento. Se eu fosse um pouco mais niilista, diria que não existe inspiração e acabaria a conversa por aqui.

No mundo ideal das boas polêmicas e da opinião ainda levada em conta, choveriam dezenas de e-mails de pessoas testemunhando como já foram tomadas de inspiração - até mesmo alguns amigos testemunhando como já me viram inspirado - ou citando exemplos de pessoas que, depois de muito trabalharem, acharam formas convincentes para realizar suas artes. Pois bem, como é o que a lógica me deixa, acredito na conjunção das duas.

Só alguém muito obtuso, ou de pouco talento, negaria a inspiração romântica. O momento em que você se vê tomado por uma rotação diferente dos sentidos e em poucos minutos é capaz de compor um poema, uma canção, uma máxima etc. de grande coerência interna e poucos erros, considerando o tempo que demorou para fazer. Seria epifania, um acesso breve ao inconsciente coletivo, um entendimento limitado do sentido completo do mundo, das pessoas ou das palavras, dificilmente repetido em estado de não inspiração. Não sei, algo assim, dificilmente verbalizável mesmo. Também não sei como funciona a inspiração em obras de maior fôlego: romances, peças, epopeias e cia, embora conheça romances e peças realmente inspirados.

Igualmente só o mesmo obtuso, ou outro, afirmaria de cara limpa que a prática não ajuda tudo isso. Depois de algumas centenas de poemas, tenho muito mais segurança sobre o pulso do verso, a ideia que não vai dar em nada, a palavra que dificilmente se acerta, o sintagma non grata. E olha que ainda me sinto bastante neófito na arte poética! É evidente que a prática, se não leva à perfeição, afasta da precariedade estética, ao menos. Conheço, entretanto, algumas dúzias de escritores muito esforçados e de pouca inspiração, que vão aos poucos sendo cobertos pela areia do tempo.

Inspiração, para este ensaísta pouco inspirado, é uma tradução particular para "vontade"! Não qualquer vontade, mas A vontade primária do sujeito. Todos, nesta perspectiva, lidariam com algum grau de inspiração (uns mais, outros menos), mas só alguns viveriam a felicidade de sentir que suas vontades são adequadas ao tempo em que vivem, enquanto que a maioria, postumamente, é que costuma ser premiada.

No frigir dos ovos, meu amigo, trabalhe, estude, pratique aquilo que tem vontade! Caso se inspire, certamente haverá uma chance maior de estar criando algo interessante e, por conseguinte, fazer parte da loteria do reconhecimento. Ainda tem o dinheiro, o poder, a beleza física, o acaso e outros tantos fatores que viciam essa loteria, certo? Certíssimo! Mas pensar nisso, sobretudo atualmente, é coisa que não recomendo, com o risco de simplesmente abdicar da vontade e conseguir dinheiro fácil em alguma ocupação segura.

Nossa época precisa de pessoas inspiradas! (uma frase perigosamente rebaixada a lugar comum)

Jan 20, 2010

Entre antes e depois

Estou lendo Bauman, um dos principais teóricos do que se tem convencionado chamar de pós-modernidade. Leio, confesso, menos para saber o que é do que para entender melhor aquilo que sinto. Também leio, com menor peso, para tentar explicar com propriedade do que se trata àqueles que acham que pós-modernismo é ver TV e ouvir música ao mesmo tempo, e não são poucos.

Cá entre nós, sou um estranho. Segundo o teórico, aquele que não se encaixa no mapa cognitivo, moral ou estético do mundo (em teoria, basta não caber num dos mapas, mas tenho o pacote completo). Sou um leitor obsessivo e as aulas sempre me pareceram necessárias somente nos primeiros quinze minutos. Acredito que palavras e assinaturas se equivalem. Detesto mentiras, mesmo as úteis. Sou o tipo do cara que diz que não gosta do presente, caso perguntado. Se, com esforço, consigo mentir e não sou pego pela falta de prática, passo dias me remoendo se deveria ou não ter sido sincero. Tendo a discordar de um número cada vez maior de pessoas quanto à qualidade de certas obras de arte, o que tem me graduado em "chatice". Claro, não nasci estranho. Também, claro, tenho me especializado.

Sinto, como dito no livro, que a sociedade abriga a minha estranheza, em vez de assimilar-me ou aniquilar-me, como soava acontecer no século passado e nos anteriores. E isso é bom. Sem querer reclamar de barriga cheia, só gostaria que isso fosse feito de maneira mais efetiva, que não fizesse parte do engodo. Queria que os estranhos também tivessem acesso ao poder e, por consequência, fossem capazes de mudar algumas coisas permanentemente.

Vivo, por fim, e com força, a impossibilidade de construir-me plenamente numa era em que o comum é ser incerto. Nunca tudo foi tão possível para um número representativo de pessoas! Nunca foi tudo tão temporário! Se Baudelaire estava certo, e um poeta deva traduzir na arte o seu tempo, nossos dias são capazes de em vinte anos, talvez menos, tornar obsoleto um bom poeta. Quantos planos as pessoas são capazes de fazer atualmente? O bom é não fazer planos? Por que você acredita nisso? Pensou sozinho? Bom, bom, continue assim.

Pelos meus cálculos, a última vez que costumávamos viver com tamanha incerteza data dos tempos anteriores à existência vigorosa de civilização. Como nossas necessidades eram mais imediatas (comer, transar etc.), lá se encontravam nossos desejos. Hoje precisamos de mais e nossas vontades migraram, igualando nossas possibilidades de frustração. A existência da sociedade entre antes e agora faz absolutamente toda a diferença e torna essa sensação bastante inédita em nossas concepções de nós mesmos.

Como alguns de meus átomos devem ter dito a um eventual filhote naqueles tempos: o importante agora é sobreviver. Estranhos, repito, o importante agora é sobreviver!

Jan 18, 2010

Casa velha Casa nova

Aos poucos vou arrumando a casa.

Embora eu não acredite realmente em qualquer sentido cósmico com a virada de ano, achei por bem recomeçar aqui assim que voltasse de férias. Não como a casa velha (lembro que assim chamávamos a grande casa da minha infância, dividida com a avó e as tias), feita para mostrar novos poemas, canções, peças, quadrinhos etc; mas renovada, para ser leve, quase sem teto (como se não fossem pesadas as estrelas!). Deixo a gravidade para os livros, os filmes, o cd's e outros meios. Com a casa velha aprendi a ser paciente e a mostrar-me menos.

A casa nova me servirá para devaneios. Será a fachada do verso. Aquilo que o poema parece ser, mas não é. Aquilo que todos entendem à primeira leitura; única, para os que desistem. Não que seja mentira, só não é tudo. A casa nova me servirá como parede entre mim e o mundo, que começa depois dela.

Os novos cômodos deste ano: um livro novo de versos para abril, um cd para julho, meu primeiro livro infantil para o fim do ano (todos eles com parceiros e amigos).

Tenho feito tanto, e de maneira tão nova! Espero trazer para esta casa em breve tudo isso, mas levianamente. Como se todo o universo não morasse num único verso acertado. Como se tudo pudesse ser feito ou não ser.

Aos poucos vou desarrumando a casa.