Apr 28, 2007

A obrigatoriedade de companhia dos ecos

Estou às voltas com essa reflexão banal do ato artístico reverberado por afinidade, rejeição ou indiferença (aceito sugestões taxonômicas). Tornei-me eco despropositadamente de um filme de Buñuel chamado "Abismos de Pasión", este, por sua vez, eco de "O morro dos ventos uivantes", de Emily Brontë. Vejam, começo a ver o filme e logo na segunda cena dou de cara com uma aproximação de umas das cenas do início do filme que estou escrevendo, além de uma personagem bem próxima da que imaginara para Patrícia, a governanta do meu filme. Isso resvala um pensamento que tenho já há algum tempo: será que existe algum "artístico" natural de obra considerada de arte e, por mais que haja vairações significativas em suas construções, sempre há um residual por onde ela se identificam? Ou será que é simplesmente uma falta de originalidade por parte das pessoas que se dedicam a fazer arte e elas, na verdade, passam a história reiterando acerca dos mesmos temas com as mesmas formas? Por favor, artistas, me ajudem nesta resposta... Por exemplo, do poema de Góngora transcrito na última postagem fiz um poema, mais brincadeira do que poema, quando cursava uma disciplina na Unicamp que se debruçou um pouco sua obra. Até que ponto se pode notar alguma semelhança entre eles? Definitivamente os espanhóis têm rodado significativamente minha produção artística.

Eco

sempre
que sua avó curtia um cochilo
mais longo
luisinho
assim que a velha
abria os olhos
dizia vó
passou um ano

quando
esta se reunia com as amigas
estou para completar mil
quinhentos e sessenta
e um anos
aos sábados

e uma hora
rastejava
à cozinha
em busca do chá
aquelas riam baixo
que a coitada
andava variano

Apr 27, 2007

Eco

Em silêncio à maestria clássica de Góngora, hoje só ecôo o blog de uma amiga, amiga de alma, amiga das letras. Leiam o poema em silêncio, que é mais fundo!

De la brevedad engañosa de la vida

Menos solicitó veloz saeta
destinada señal, que mordió aguda;
agonal carro por la arena muda
no coronó con más silencio meta,

que presurosa corre, que secreta,
a su fin nuestra edad. A quien lo duda,
fiera que sea de razón desnuda,
cada Sol repetido es un cometa.

¿Confiésalo Cartago, y tú lo ignoras?
Peligro corres, Licio, si porfías
en seguir sombras y abrazar engaños.

Mal te perdonarán a ti las horas:
las horas que limando están los días,
los días que royendo están los años.

(Góngora)

Apr 26, 2007

Cinco horas


Cinco horas! Cinco horas! Este é o tempo que tenho dormido... Após descobrir que as dezoito de que antes desfrutava já não eram suficientes para as tarefas a que me propunha, decidi por extender em uma hora o meu tempo de vigília. Os choques pelo corpo pararam, espero que bom sinal. Ou meu organismo acostumou-se com este ritmo mais intenso, o que vou achar ótimo, ou já desistiu de avisar que as coisas estão indo para ou pelo ralo. Não importa! Importa a produção imediata, o poema, o conto, a música, o filme, o musical, a ode. Já que preciso do trabalho para subisidiar parte significativa da divulgação de minha arte, não posso ficar desempregado neste momento. Em uma espécie de Carpe Diem sinistro, pretendo extrair de cada átimo o pouco de lírico que me faz ansiar ardorosamente o átimo seguinte. Fico por testamento a quem se incumbir de continuar levando a pedra para cima do monte.

p.s.: quem puder conferir o trecho de "Ulisses" em que Bloom começa a delirar dentro do que parece ser um puteiro (em torno da página 490), faço-o, o excerto merece a leitura. Mais especificamente, o trecho em que seus pais aparecem. Se entendi bem, hilariante.

Apr 25, 2007

Quando não há aniversário

Como já notei que recebo mais comentários quando posto poemas, contos ou letras de música, do que quando faço qualquer comentário sobre alguma coisa, decido por hoje postar novamente um poema que estará no "Poemas lançados fora", lançado em julho. Mais uma vez, deploro o fato de não conseguir reproduzir a forma do poema no formato disponibilizado pelo blog. No mais, a vida continua sem grandes motivações e muito cansaço. Sigo trabalhando, de um modo geral, das sete à uma da manhã, em ofícios de naturezas muito díspares. No fim, acabei por não conseguir restringir-me à postagem de meus escritos, sem fazer qualquer aparte pessimista quanto aos fatos. Perdoem-me os que já leram este poema. Fico eu, seguem os versos.

Quando não há aniversário

em dias de tristeza
não se faz aniversário
as velas queimam cerejas

o tempo áspero trapo
arrasta no espaço buracos
miasmas lábios do avesso

destino enviesado
range demora e se chega
não há quem fomente o azo

batendo palmas
há o enfado do atraso
que não é seqüência nem pausa

não é calma nem pressa
um sopro do desabafo
que infesta se as velas vazam

Apr 23, 2007

Um e o tempo

Hoje dou um pequeno tempo nas postagens criativas para preencher este blog de divagações. Agradeço antes as muitas postagens sensíveis, brilhantes, solícitas e gratas que tenho recebido. Dani, Tati, Tá(s), Kah, Anne e agora o poeta Isaac, além de outros mais esporádicos, mas não orbitais, vocês são e serão sempre bem-vindos por estas linhas ébrias.

Acabo de ter a primeira reunião de um novo projeto, um longa-metragem. Veio de ímpeto e já são vinte páginas escritas. Reuni-me hoje com o possivelmente futuro diretor e co-roteirista para ele ler e acabamos por discutir algumas questões periféricas e uma ou outra questão mais central. Ele gostou bastante das idéias, do ritmo, dos argumentos, de algumas das cenas, o que fez com que eu, de cara, já ficasse também bastante mais empolgado.

Assim que ele saiu, voltei, efetuei as correções que julguei necessárias no roteiro e empolgadamente retomei a escrita por uma cena que considero estrutural para o longa: o momento em que pela primeira vez começa a aparecer algum clima entre os dois protagonistas. Daqui parte a reflexão desta postagem. Como é difícil escrever sobre o desconcerto, a palavra errada, o constrangimento, o estranho. Ainda mais difícil por estar vivendo no momento algo semelhante, com a diferença de eu estar absolutamente desconfiado de qualquer tipo de aproximação feminina. Ia tomar-me de exemplo e simplesmente realizar uma sinédoque entre o que vivo e o roteiro, contudo, minha recusa à aproximação fez com que não me pudesse usar de modelo. Então usei o brilhantismo e as colocações da misteriosa senhorita para compor minha personagem e tentei imaginar que falas eu usaria caso também começasse a despontar em mim algum interesse. Esperada e impressionantemente, as falas da protagonista ficaram muito mais convincentes do que a do sr. Moraes (nome do protagonista do filme), que sempre soavam deslocadas ou impertinentes.

No fim, só consegui um diálogo ponderado quando utilizei a misteriosa senhorita como base para as duas personagens e abdiquei do direito de posar indiretamente em minha história. Das duas uma, ou a agudeza desta senhorita (que realmente é bastante singular) é suficiente para compor razoavelmente as duas personangens, ou sou de fato uma personagem gasta e deslocada quando se trata de qualquer história de amor.

Montéquio de carteirinha, acredito nesta última! Uma terça-feira lírica a todos os poetas de alma que freqüentam este blog.

Apr 19, 2007

Sem comentários

Sem comentários que o dia não está para isso. Somente o lírico pode ancorar algo de razoável no deslíneo da paisagem.

Monte de água

todo monte de água
é feito de lâminas
maleáveis
finas e sobrepostas

pode cair o que for
leve ou pesado na água
que foge só gota de espelho
sólida
e resta o espelho de baixo

por isso que a pedra rola na superfície da água
e afunda

de dentro o monte de água
é feito de inúmeras
lentes
falhas e retorcidas

pode-se olhar do fundo
com o desejo que for
que o seco sempre vem turvo
sólido
sempre com as quinas trocadas

por isso que a pedra rola na superfície da água
e afunda

Apr 18, 2007

A polêmica se as mulheres amam

Hoje posto novamente uma letra de música. Versa razoavelmente sobre a polêmica gerada da afirmativa que as mulheres não amam. Para quem quiser, novamente, só mandar um pedido (com o e-mail, se eu não o tiver, que eu mando a gravação já feita. Um dia de muita poesia a todos.

Pas-de-Dieu

Letra e melodia: Carlos Augusto Bonifácio Leite

Por que se enganar que me amava?
Por que trazer verdades para mim?
Por fim, tive de ser, “muito obrigada”
A sorrir por piedade e de maneira natural.
Por que precipitar se há tanto tempo?
Por que florir os erros de jasmins?
No nosso entrelace há tanto espaço pro temor,
Mas vai se desatar...
E ser assim.

É que eu sou bailarina do municipal do amor,
Sempre acostumada às purpurinas.
E quando se é precisa, se preciso for,
Qualquer peso no corpo desalinha!
Por isso não decida apertar-me, por favor,
Tanto só desfaz a sapatilha
De vagar, se todos correm, de poder se contrapor,
De dançar ao Deus dará por essa vida.

Por que virar o rosto? Não me esconda.
Por que ser fugidio? Ai de mim!
Enfim, não sou tão má quanto parece,
Um dia então se esquece e amará de novo e igual...
Por que me desejar, se sou de sonhos,
Que nunca são reais e encontram o fim?
Talvez você mereça que aconteça algo melhor,
Talvez tal não exista
E seja assim.

É que eu sou colombina, feriado desse amor,
Sempre acostumada às serpentinas.
E quando a alegoria toda vai se recompor
Qualquer traço no rosto descortina.
Não roube dos meus passos o divino, o esplendor
De poder atravessar a harmonia,
De morar, se todos mudam, de gostar do desamor,
De ver que a felicidade é só rotina.

Apr 17, 2007

Stanislau e Mivânia

Hoje posto duas vezes, de duas naturezas. Em homenagem aos meus queridíssimos visitantes, posto por aqui um conto que fiz ainda nos tempos de faculdade (fui contista tardiamente), mas pelo qual tenho uma grande afeição. Um amigo meu, na oportunidade em que lhe mostrei a história, chorou copiosamente, o que me traz lembranças emocionadas até hoje. Versa, ainda que confuso, sobre a natureza do amor e seus confusos atributos. Em homenagem aos meus companheiros de escritos, dentre estes considero quase todos os atuais visitantes, mesmo que digam o contrário, posto no Blog Presença (link ao lado direito), sobre a natureza da inacessível alma dos sensíveis. Agradeço mais uma vez a um dos moderadores deste belíssimo trabalho carioca, o Isaac, por me incluir dentre seus autores e gostaria de aconselhar aos meus seletos leitores, sempre que possam, em dar uma visita a esta iniciativa necessária. Muita poesia a todos nesta semana imensa que se inicia.

Stanislau e Mivânia

Imaginar uma mulher tão bela quanto Mivânia era impossível para Stanislau, que sempre a teve como instância suprema do esforço divino (ou maior peripécia do Diabo). Sempre não, desde que a viu aos doze anos incompletos para ambos, tornou-se outro (como se não nos tornássemos outro a todo tempo), de posse do segredo (se para os segredos há posse), único que o sabe (se a individualidade não invalidasse a condição de notícia compartilhada que compõe os segredos) e relativamente feliz, o que é bom. Importante é que os cachos perfeitos, casualmente equilibrados na região acima da nuca de Mivânia, ditaram-lhe em diante as normas de conduta, de julgamento, de sanidade e do resto, depois que haviam se visto (cabe notar que talvez só Stanislau a tivesse percebido, sem reciprocidade).
Poderia pensar, você, pouco, leitor, que se trata mais uma vez de amor unilateral, gasto e popular, mas garanto-lhe que Mivânia também sofria de grande predileção pelo jovem Stanislau. De fato um pouco mais tarde, aos vinte e cinco anos, ela admirou a figura do jornalista (ele se tornara um por saber que ela comprava jornal toda manhã, não sabia que era para o pai) rico (por saber que toda mulher gosta de um homem rico, nem que seja para demonstrar cavalheirismo ao pagar as contas. Mais pelo gesto, menos pela grana.) que a abordou no balcão de um dos bares do centro de Campinas. Chega de parênteses.
Saíram, se não me engano, umas quatro vezes até começarem a falar em relacionamento sério, em compartilhar os pequenos objetos, não os menores. Não sei se por limitação minha ou sua, sinto-me obrigado a dar-lhe outra explicação: Mivânia não tinha esse oportunismo que você lhe aventa afobadamente. Ela era, sim, uma mulher comum, um pouco medrosa, que se fazia forte aos outros, principalmente aos homens, mas à noite chorava sozinha no quarto que, por mais que pensasse seu, era propriedade inevitável da instituição bancária que emprestara há alguns anos a sua família. Explico-lhe ainda porque pensa dessa forma. Se você, meu leitor, é mulher, afirmo-lhe que as desculpas são absolutamente necessárias para conviver com as outras partes de você que conhece menos. Não há nada de mal em pensar que as mulheres amam, mas essa não é das verdades mais críveis do mundo. Se você, meu leitor, é homem, o sentimentalismo que tanto o acompanha e completa-lhe de um charme sinatriano freqüentemente enublina os fatos que constroem o real e você tende achá-los ligeiramente mais bonitos, quase decifráveis, e também não lhe fará mal ser assim até os sete palmos e meio. Última ajuda: sou narrador e narrador não é homem nem mulher. Estranho, mas oportuno. Vamos, enfim, à história.
Há seis dias Stanislau foi internado com uma dor de barriga aguda e fora de hora. Há cinco, escreveu uma longa carta à Mivânia da qual só temos as últimas linhas que se apresentam: “A morte não bastará para nos separarmos, senão para nos unirmos na única alma (ele escreveu lama, mas corrigimos) que sempre fomos. A ti, o meu amor eterno, Lauzinho”. Há quatro noites, com Mivânia à cabeceira, Stanislau morreu de um oportuno câncer no apêndice. Antes do fim de semana, muitos deixaram o cemitério comentando como foi maravilhosa a cerimônia e como a namorada realmente gostava do finado. Antes de ontem, Mivânia preparou minuciosamente a corda em torno do ventilador de teto (quisera o mais caro na época da compra por já ter pensado em suicídio outras vezes) e despencou deixando cair um certo papel amassado. Na tarde de Domingo, seus pais retornaram de Ubatuba e encontraram o bilhete e o corpo (ordem explicada pela baixa estatura de sua mãe): “Que o amor dos defuntos vá a merda” (sem crase). Penso “são oito e vinte da noite” em como é intrigante atinar para o fato de que nem mesmo os amores perfeitos sobrevivem aos dias de hoje.

Apr 13, 2007

Alçadas

Uma das poucas coisas maravilhosas em achar que faço arte é a surpresa guardada quando publicamos ou apresentamos uma obra específica.A interpretação por parte do público acrescenta muitas das partes faltantes presentes no momento de criação. Ainda estranhamente maravilhoso é o fato de que muitas destas partes explicam o autor como indivíduo, trazem à tona lembranças sublimadas, remontam a estilos já abandonados por ele e realmente tornam as relações de sentido presentes na obra muito mais significativas. Esta semana, por exemplo, uma grande amiga utilizou um de meus poemas do "Sintaxe..." (O maior arranjo do mundo) para, paralelamente a um soneto de Camões, discutir com seus alunos o assunto "forma e conteúdo". Um deles, ao ser questionado sobre o que via em meu poema, disse que via (aspas não presenciais) "uma seta para baixo, como se o cara estivesse cada vez mais indo para baixo". Quando o fiz, acrescentei algumas camadas de interpretação, mas não esta. Impressionante como aquele aluno, através de seu tesouro pessoal de experiências, mediante seu espírito (sentido clássico), foi capaz de propor uma interpretação totalmente válida e pessoal. Como eu poderia estar mais maravilhado com a experiência humana de interpretação!? Ah sim, por que este assunto? Por causa do poema "H". As motivações do momento de criação foram tão diferentes da maioria das respostas que tenho do poema que cada vez gosto mais do poema e mais tenho razoáveis certezas de sua eficácia como multiplicador de sentidos, como acrecentador de percepções, cerceando o sutil do real. Espero que não desistam de tecer suas outras verdades ocultas na muticidade da letra agá. Deixo meu poema do arranjo (com a ressalva da forma não poder ser recuperada por limitações bloguianas) a título de ilustração.

O maior arranjo do mundo

Quando não tinha mais nada o que fazer, tomou todas as flores do mundo
e deu a ela. Certo que não lhe cabiam nos abraços cada begônia, lys,
bromélia, rosa, todas as outras vis. Ela soube ganhar o presente.
Retribuiu com beijo breve de mil gametas, fecundado, leve.
Este floresceu no peito infértil do jovem a tarde inteira
e só a noite pôde acalmar o unímpeto da semente.
No dia seguinte, logo de manhã, foi somente
esperando marcar a data que entrariam
no primeiro concurso. Só ela tinha
flores, afinal. Mas encontrou,
no mesmo arranjo: beijo,
outro homem, ela; e
desfez-se baixo,
muito baixo
como a
péta-
la.


P.S.1: É relamente um afago ter este bom número de visitas e, principalmente, comentários. Anne e Kah, já mandei a música.
P.S.2: Uma das partes feitas, vendi o carro.

Apr 12, 2007

Fornecedor

Descobri hoje, quase "en passant" (existe alguma tradução para isso "en portugais"?), que sou o único fornecedor de leituras não-acadêmicas a uma amiga. Falei disto ontem no trabalho, bancário, sobre esta obrigação da arte que estou decidindo se acredito ou não. Enquanto isso, obedeço.

H

No princípio, todas as palavras vinham com agá
Antes.
Certo dia, por não se saberem úteis,
Resolveram deixar a empresa.

Como sempre há fura-greves
E dedos-duros (embora estes não se encaixem na contenda,
o que em nada impede posarem de figurantes)
Ficou o agá de hoje, de há, de halo,
De hipogrifo.
Dinorah, faceira que só ela,
Ora tem, ora não tem
O pensado,
Mas não dito.

Se bem que,
No caso de Dinorá,
O agá não é de princípio.

p.s.: Este poema vai estar em "Poemas lançados fora", livro que lanço em junho ou julho deste ano pela 7Letras, do Rio.

Apr 9, 2007

Paraleta


Nunca havia postado letra de música, mas esta, modestamente, acho um brinco. Busquei, na melodia, fundir o aspecto imprevisto do vôo das borboletas que encontrava lá no sítio de meu avô, em Minas. A quem interessar, comente com e-mail, que mando a música. A tela ao lado, esta sim arte verídica, é de uma amiga, também um brinco. A postagem de hoje é à moda das mulheres que usam brincos aos pares.

Paraleta
Guto Leite & Thiago Lourenço

Borboleta, Leta. Pano colorido.
Quando se imagina que ela pára,
Surpreende as luzes, pára-
raios refletidos.
Por onde que voa a borboleta? Não tá.

Borboleta, inseto de asas, corrompido,
Vai por cada quarto até que pára.
Morta de cansaço, para-
lítica do espaço.
Quem ela caçoa, a borboleta? Não tá.

Borboleta, dança, faz, borboleteia.
Sabe quando segue e quando pára.
Ela se penteia ao para-
peito perigoso.
Ama, cansa e odeia a borboleta. Não tá.

Borba, borboleta, qual sua palavra,
Vale um bom tesouro quando pára.
Nada quando voa, para-
quedas, ventania.
Ergue, saia sem a borboleta. Não tá.

Borboleta, vaca, dei todas as flores.
E o único pedido ou ordem “Pára!”.
Não há mais sentido. Pará-
Frase: não se doe,
Que eu te reencasulo, borboleta. Não tá.

Borboleta, nada
Muda nesse mundo.
Lembro o teu gemido à faca “Pára...”.
Pálpebras rasgadas, para-
pluie que não protege
Das noites vermelhas, borboleta.
Não tá.

Apr 8, 2007

Dicotomias

Apesar do termo desde Derrida ser tido como ultrapassado, valho-me dele para descrever minha atual situação. Sinceramente. Não sei como as pessoas que já fizeram isso antes de mim conseguiam. Viver parte de suas vidas num trabalho sério, absolutamente distante do real trabalho, de alcova, aproximando-se dos limites do verbo, das imagens. Sinto-me excessivamente extenuado de ambas as coisas. Ontem, por exemplo, dormi no meio da tarde para acordar às 23h, terrivelmente cansado. Tenho escrito muito, composto ainda mais, poemas, roteiros, contos, lido muito também, e nos dias de semana (acho essa expressão desprezível, por sinal) reservo-me em seis horas para emprestar dinheiro, saber de juros e as demais desimportâncias. Dar aulas, revisar textos, ir para Campinas, embora para Pasárgada, Suíça... aceito sinceras orientações sobre o meu destino e auxílio. Passou pela minha cabeça matar-me esta semana. Se conseguir vender o carro, arrumar coragem e orientar os projetos do cd e do livro, aviso. Deixo por hora um pequeno poema de um pequeno autor.

Rapunzel

daqui de onde vejo
teu corpo de quina
s
suavizadas
parece o lençol que veste a cama
uma continuação do teu vestido

Rapunzel das avessas
longos os instantes
estão
se todos contigo

busco doente de cama
ardentemente
pelos
deslumbramentos
mais vadios do eterno

a permanência baixa
no rosto dos teus panos


p.s.: jamais me levem a sério.

Apr 7, 2007

A Biblioteca de Alexandria

Posto hoje, pela pressa do dia, um conto que fiz há muito tempo (em 2004, se não me engano), mas pelo qual mantenho muita afeição.

A Grande Biblioteca

A cada página que se passa, um enorme barulho de engrenagens e gritos pode ser ouvido no interior da Grande Biblioteca. Desde que implantaram nela o inovador sistema de leitura, e separaram os gabinetes por intelecto e faixa etária, após contínua reclamação dos mais velhos, sempre que se passa uma página, as cadeiras, presas a enormes tubos de aço e de organização, desalojam-se em busca do mesmo livro, em outro lugar, aberto à mesma página ou à página seguinte, para que o leitor possa continuar seu intento. Quando se termina um livro e fecham-no, a Biblioteca busca realizada e automaticamente outro livro fechado para que o ciclo semi-fortuito de leituras não se interrompa. Em cadeiras desconexas, a um canto, ou mesmo sobre a estrutura de aço, encontram-se incontáveis moribundos que em silêncio só se beneficiam da Grande Biblioteca pelos brados exaltados que, hora ou outra, ecoam pelo salão, mas quase sempre chegam em confusa e intermitente balbúrdia. De todo jeito, precisa-se de esforço para manter a ilusão real de movimento na Grande Biblioteca.

Apr 6, 2007

O nada por preferência


Os que me conhecem sabem de minha pulsão obsessiva e necessária por fazer diferentes coisas ao mesmo tempo, engajar-me em diferentes projetos. Após ver meu primeiro curta em tela, filmado, com erros, acertos, melhoras, sucessos etc., senti-me compelido a escrever meu primeiro longa-metragem, que já frequentava meus pensamentos há algum tempo. Após escrever diversas páginas, descrições de personagens e sinpose, deparei-me com uma cena crucial para o enredo e inquietei-me bastante por não conseguir imaginar-lhe nenhum desfecho satisfatório, o que significa um lexotan inteiro em vez de metade. Após um ou dois dias, veio-me claramente como deveria proceder e a resposta foi: não faça nada. Assim o fiz, entra o protagonista na sala, abre seu celular para efetuar uma ligação de emergência, pára, fecha o celular e acende um cigarro, no qual dá duas ou três tragadas pausadamente. Não conto mais nada para não poupar-lhes da decepção ao ver a película...

Apr 5, 2007

Término

Acabei de ler Auerbach e realmente é impressionante o panorama descrito de todas as formas de representação e mimetização utilizadas pela literatura ao longo de, digamos, três mil anos de escritos. Notas "recomendo a leitura" / "ler de novo" aos capítulos referentes a Shakespeare e ao realismo francês (Balzac, Zola, Flaubert). Nota "o pulo do gato" para o capítulo sobre os evangelhos. Imaginar uma mudança de paradigma da inserção da classe subalterna em quadros dramáticos em vez de satíricos a partir da figura de Jesus Cristo é definitivamente uma idéia original. Palmas para o erudito! Hoje o dia está soando terminal.

p.s.: não houve comentários para o meu poema simples (dois posts atrás)... duas pessoas já me falaram que ele não é simples. Hunf! para vocês.

Apr 4, 2007

Adulto ou criança

Conferindo as leituras ao lado, veio-me a surpreendente percepção de que possivelmente estou me tornando adulto, ao menos um leitor adulto. Como toda afirmação contém o seu contrário (mais a negação de seu contrário, assunto esse para a Semiótica), devemos considerar o fato de que leituras tão complexas e simultâneas possam agir mais no sentido de infantilizar-me do que na demonstração de qualquer tipo de sabedoria adquirida. No momento, na verdade, estou é doente, de cama, alguma febre e dores no corpo. Numa de minhas primeiras consultas conscientes em clínica, lembro-me de ter dito a um médico que eram os meus "sintomas de abril", aos quais recorro todos os anos. O referido doutor riu tanto, de um riso tão claramente doentio, como se o tivesse atacado com poesia em momento inoportuno, em vida inoportuna, que prometi nunca mais usar de meu lirismo com médicos ou com outros estandartes da razão. Após os parênteses, não sei se amadureço ou se me infanto, que na doença todos os homens se igualam.

Apr 3, 2007

Rapidinha antes do trabalho

Pela segunda vez tentando ler "Ulisses", apesar do conselho de todos (inclusive todos que não precisam estar fora de mim para ter independentemente suas existências). Devo não conseguir, mas veremos. Sou do Eire e não desisto nunca. No mínimo, infame!

Apr 1, 2007

Poema simples

De onde vêm os insetos

dos sorrisos dos maiores insetos
eles sorriem? os insetos?
da impressão então dos sorrisos
dos maiores insetos
nascem insetos menores
desses também os sorrisos
sorriem? os menores?
da impressão pois dos sorrisos
menores dos insetos
menores nascem
os insetos ridículos
destes que não restam
sequer a impressão dos sorrisos
senão por deduções mesquinhas
nascem os invisíveis
insetos quase não vistos
por ninguém
mas vêem? os insetos? os não vistos?
quase por ninguém?
é claro que sim
e assim sucessivamente
até nos sentirmos
cegos nós mesmos e tristes
por não percebermos
os sorrisos dos insetos
além dos microscópios
e todos os que nascem deles
insetos
depois dos símbolos
e por diante
impressionantemente
dos sorrisos dos últimos
sorriem? os últimos?
ou quando o Deus cansado
de suas aladas rasteirezas
se descuida do ciclo
nasce por fim o amor
que é o menor inseto
que se tem conta
ou o último rompimento
cômico
do menor inseto
por ser já tão pequeno
e asqueroso
não nos detenhamos
nesta dúvida



p.s.: furtaram meu celular na sexta. Os que não me ligam, mantenham seu hábito.