Apr 30, 2009

O eterno retorno

Sou um pouco radical quanto à poesia brasileira (lê-se: chato) e tenho me tornado cada vez mais restritivo. Sinceramente não afirmo de boca cheia tal fato, mas com uma tristeza lenta, uma sombra sobre o peito. Hoje o e-mail de um amigo me lembrou que há muito eu havia lhe falado: "mesmo com todas as falhas do Concretismo (e o inevitável desdobramento pra poesia-power-point, acrescento), não podemos esquecer que foram eles que nos alertaram para a materialidade do verso". Eis aí, no guto obsoleto, um começo possível para o contragolpe da minha lassidão romântica sobre o meu purismo crítico. No caminho, que encontre Drummond e João Cabral (alguém carrega a Bandeira?), e que marchem!
Abaixo, um poema.


Apr 27, 2009

Em outro espaço

Fiquei agradecidíssimo pelas tantas leituras da postagem anterior! Este diálogo todo é muito reanimador pra mim, no sentido original do termo, que seria algo como "dar alma (ou fôlego) de novo". Sei que pode parecer conversa fiada... mas pra mim, que levo arte como vida, indissociavelmente, a custo alto para ambas, esse diálogo é talvez a única coisa que chamo de verdade.

Hoje posto, graças à generosidade de uma poeta amiga, Laurene Veras, em seu espaço. Lá como cá, acredito, as portas estão abertas a leitura e comentários. Obrigado, Lolo, e muita arte a todos!

www.lulinlulin.blogspot.com

Apr 23, 2009

Pele

Poema daqueles que vêm arrancados, impetuoso, de algum lugar já exposto. Poema que quase vem a contra-gosto, se não fosse pleno de vontade. Poema que acovarda quem o fez e desdenha de quem lê. Poema que de tão fraco poderia ter vindo gente.

pele

o desejo
sob alças e rendas
de um fino tecido
vermelho

feito a pele branca
que esconde
uma vida de carne
ou o avesso

naquele ralo instante
pele sobre o tempo
quis eu ser o tecido
do desejo

rubro de vontade
proteger-lhe
ou em seu cheiro branco
silenciar-me

como ser o mesmo
de que jeito
sem saber se sou pele
ou se me arde

Apr 20, 2009

Ironia Graduada

Ironia Graduada

Sempre ouvi dos meus amigos pós-graduandos – e eles configuram uma boa parte dos meus amigos, visto minha trajetória conturbada e inapetência formal para passar em seleções de mestrado – a objeção de que o tempo é escasso demais para a feitura de uma dissertação a contento. Agora que estou do lado de cá da fronteira, ou entre uma fronteira e outra(s), posso verificar por mim mesmo e assinar embaixo da fala de todos, com uma única ressalva. O discurso “o tempo é insuficiente para se fazer uma boa dissertação de mestrado” me parece ser uma espécie de mantra catártico e institucional para amenizar a culpa de sua veracidade.

Na UFRGS, por exemplo, fazemos 24 créditos obrigatórios, preferivelmente concentrados no primeiro ano, o que equivale a um número de 6 a 8 matérias (no meu caso, por conta da colocação no processo seletivo, mais um estágio de docência no primeiro semestre do ano que vem). Supondo que, hipoteticamente, cada uma das 3 ou 4 matérias do primeiro semestre exija semanalmente um texto teórico de 40 páginas, temos por média 140 páginas por semana de leitura, mais as 12 horas dedicadas in praesentia. Uma semana tem, “por definição”, 168 horas, das quais, por prescrição médica (não o meu caso, claro, que sofro de insônia crônica), passamos 56 horas dormindo, ao que nos restam 112 horas de vigília. Já tirando as doze horas de aula presencial, 100 horas, este é o nosso tempo hábil. Aproveito para subtrair na conta, bem por baixo, uma hora por dia para refeições (somando todas, claro) e uma hora para chegar e sair da universidade, no meu caso, em três dias: 90 horas restantes. Cento e quarenta páginas em noventa horas. No quadro hipotético de vivermos para o mestrado, é tempo que dá e sobra.

Contudo, supondo que um ou dois dos nossos professores hipotéticos se empolgue com sua disciplina e, por exemplo, proponha a leitura de um romance de 312 páginas em língua estrangeira de uma aula para outra, ou uma coleção de trechos de história literárias que totalize também umas 300 páginas. Assim, nosso número inicial de 140 páginas por média, subiria para algo em torno de 600 páginas, nas mesmas 90 horas previamente calculadas como “disponíveis”. Bom, quem não lê sete páginas e meia por hora? Ainda absolutamente razoável... Opa, mas ainda temos as leituras do nosso projeto, motivo, aliás, pelo qual voluntariamente dedicamos nosso tempo na universidade. Quantas páginas devemos ler semanalmente para nosso projeto? Cem? Duzentas? Arbitrariamente, escolho esta última alternativa (porque certamente é mais do que isso) para figurar em nossa equação, somando agora 800 páginas por semana. Em noventa horas, temos ainda a aceitável média de quase nove páginas por hora, façanha absolutamente dentro de nossas capacidades.

Embora eu reconheça que toda a conta apresentada tenha sido toscamente realizada e seja, até, tendenciosa (sim, embora o Humano não seja grande coisa no mundo de hoje, eu estudo Ciências Humanas e não Exatas), o número obtido não escapa em muito das minhas contas pessoais. Para o mestrado, contabilizei até o momento algo em torno de 3000 páginas lidas nestas quatro primeiras semanas de estudo, o que não deveria causar surpresa ou admiração, visto que já demonstramos ser uma empreitada totalmente possível. Entretanto, eu estudo canto, diariamente, uma horinha, e também violão, a mesma quantia de tempo. Sabe como é, tenho aptidão para compor, e canto numa banda excelente em São Paulo... Sinto vergonha muitas vezes quando me reconheço, em erros de execução, menos capaz como músico do que os músicos que tocam comigo e tento suprir isso com estudos. 76 horas. Também tenho este blog. Sabe como é, escrevo e, como João Cabral, acredito no exercício diário da “pena”. Dedico, então, uma hora por dia para um (postando ou visitando blogs interessantes), outra hora por dia para outro. 62 horas. Também estudo inglês e francês para ajudar na leitura dos textos acadêmicos, salvo aos domingos, quando antes estudava a língua dos anjos, mas hoje recupero o trabalho semanal, uma hora por dia, alternadamente. 56horas. Ufa! Graças a Deus não vou ao teatro, ao cinema, não tenho amigos freqüentes em Porto Alegre, não me divirto, nem me dedico a buscar felicidade, porque daí consigo manter esta belíssima média de 15 páginas por hora que tanto me deixa no controle das rédeas do mestrado. Tá bom, tá bom, também tenho minhas leituras pessoais, mas uso de integridade (momentânea) para tirá-las da conta e assumir por elas meu dolo e minhas vontades.



Retorne ao primeiro parágrafo desta crônica, eu espero... De quem é a culpa deste quadro? Minha, primeiramente, por somar ao mestrado outras atividades. Da Academia, por não escolher um programa mais razoável, por exemplo, de 12 créditos e o restante em horas de orientação (vale dizer que não é mérito só da UFRGS, já que também falam a respeito meus amigos da Unicamp e da USP). Dos professores hipotéticos, que se animam demais com seus projetos de estudos, sobrepujando a vontade e os projetos dos alunos com suas ambições epistemológicas. Da cultura e/ou natureza, que provavelmente impediria que um modelo centrado na responsabilidade do aluno seja adotado, com manutenção de alguma excelência acadêmica.

Não leia todos os textos propostos, ora, espera-se dos alunos esta “maturidade” – dirão alguns. Concordo, mas não posso. Vai que a minha reflexão faltante sobre o assunto esteja justamente naquela página desprezada por minha pressa medíocre. Preciso acreditar que os professores propõem as leituras mais relevantes sobre o tema. Compulsão? Obsessão? Pau-mandado dos reconhecimentos dos pais projetados numa vida adulta? Que entrem em reunião meus analistas hipotéticos, enquanto meus professores hipotéticos gastam um domingo de sol na elaboração de seus programas.

Apr 18, 2009

Volta aos versos

Tenho escrito muita prosa, o que inevitavelmente atrapalha minha poesia. Apesar de ser a mesma matéria, a mesma curva, são duas forças que apontam para direções diferentes da palavra. Pender para uma delas é atrapalhar as duas. Assim que acabar um roteiro e a oficina de contos, prometo (a quem?) poemas menos prosaicos do que este. Ainda bem que Álvaro de Campos, na minha cabeceira, sempre estende seus braços e ainda durmo, verbo, na minha linguagem de sonhos.

pessoa revisitado

as lágrimas desmedidas das mocinhas de novela
as festas as buzinas os gritos os interpelos
as conversas que escapam nos espasmos dos tetos e paredes
os saltos os pneus que se apressam retardam e freiam
os versos de apelo de álvaro a walt whitman
as últimas cenas dos filmes comerciais os comentários
de futebol os tiros os fogos de artifício os escapamentos
os toques de celulares os comícios as promoções
dos pacotes das televisões a cabo
zap...zap...zap...zap...zap
a violência real dos noticiários da noite
a violência real dos documentários
a violência real dos filmes de ficção científica
os desfiles militares no oriente médio
os feriados que saúdam os soldados de chumbo
as tropas de choque a política de boa vizinhança
de Israel as vozes das crianças as portas os interfones os alarmes
os conselhos deixados por cada pessoa morta
os ditados populares os álibis os axiomas
as caçambas sendo içadas lentamente roldana contra ferrugem
os arranques de motor as cruzadas ambientais
em nome dos santos animaizinhos os gols
os touchdowns os aces os homeruns
os liquidificadores os cortes dos objetos de metal
que morrem ao bater no chão

não há silêncio
nem haverá
silêncio
adiante

é tamanho o verbo empalando os homens
que a voz não sara ao vir de dentro
mesmo se a fala suprema fosse finalmente despertada
aquela para onde todas as falas se encaminham
a razão pela qual a língua foi criada
esta seria nada uma entre tantas outras
falas vãs pequenas inúteis valas de palavras
ainda bem que trouxe sua blusa de manguinha
os agradecimentos as mesuras os aceites
as cerimônias as fotos de viagem
o grito que todos gravam fibra a fibra nas entranhas
para um dia exilarem
tremendamente para cima para nunca mais
calarem
e todos sentirem o incômodo deste excesso de barulho

Apr 16, 2009

o cardeal

o cardeal

Ser órfão não é bolinho! Imaginem cada festa feita para ter família. Nessas horas, mesmo o mais forte dos órfãos não agüenta o tranco. Antes que fiquem com pena de mim, não sou órfão, fui... Até uns doze anos, meu pai era na prática um relógio enorme folheado a ouro e sem bateria que eu levava no pulso e que ele deixou ou esqueceu o presente no berço da maternidade. Pensando no futuro, nas vezes que eu precisaria de uma família sem ter, comecei, desde menino, a criar a raiva comum das crianças que têm perguntas sem saber quais. Não saber a pergunta certa, meus amigos, é muito pior do que não saber a resposta certa. Peço desculpas, que não sou das palavras bonitas, mesmo assim me acho no direito de contar minha história, pelo simples fato de ser diferente da sua. Ao invés de esperar as perguntas, então, vou me adiantando em dar as respostas certas. Quem sabe com elas, depois, vocês não acertam as perguntas e evitamos todo o lero-lero.

Pelo pouco tempo, escolho só um ano para contar minha vida rebelde na escola. No fim do verão, em 84, eu voltava do orfanato de férias não muito calmas. O cinto apertava por lá e a irmã Winston estava cada mais durona. Pressionar órfãos é mexer num vespeiro! O lar de caridade parecia um campo de guerra entre nós, os diabinhos, e elas, as noivas de Deus. O começo das aulas foi como exilar Lúcifer e ganhar um cessar-fogo de cinco dias por semana. Lá fui eu então tirar a paz dos colegas, dar mais trabalho aos funcionários e agravar a boca saltitante da senhora Margarida. O roteiro era o mesmo sempre: eu armava alguma, com a ajuda ou não dos meus comparsas, aguardava a hora certa, fazia o que tinha que fazer e a sala explodia em gritos e risos excitados. No final de cada malvadeza, desistia Dona Margarida sofria:“Gente, acho que por hoje tá bom, vocês podem ir brincar um pouco”.

No terceiro ou quarto dia de aula daquele ano, no meio da manhã, entrou na sala um novato chamado Jorge. Não sei se foi o seu jeitinho de menina, de fazer tudo miúdo, ou seu topete armado sobre um rosto de barão, que levou Murilinho a achar-lhe um apelido, “parece um cardeal-do-sul do sítio da vó”. O tempo resume as coisas, e em duas semanas ele já era o Cardeal. Não por raiva das freiras do orfanato, fãs de um tal falecido Cardeal Motta, nem qualquer coisa contra os ricos, mas aquele menino aos poucos foi me tirando do sério até que eu quase não podia olhar pra ele. Ele dava a vez pras meninas entrarem primeiro na sala. Ele respondia de bate pronto às perguntas da Dona Margarida. Ele passava o recreio com um livro na mão (sem ilustrações de capa!). Ele não ria das minhas brincadeiras, muito menos ajudava. No fundo, aquele engomadinho era exatamente o meu oposto, e precisava pagar por isso.

Porque a raiva era grande, tramei com calma o que fazer com ele. Percebi primeiro que sua grande bolsa de couro parecia impermeável. Depois vi que sua saída pro intervalo era como o café da manhã das freiras, igual: tocava a sirene, ele fechava o caderno, colocava tudo dentro do estojo, metia a mão na bolsa pra pegar seu livro, seu sanduíche, e ganhava o pátio. Aposto que todos vocês já imaginam o que me passou pela cabeça, prova que não somos assim tão diferentes. O problema foi que exagerei um pouco e, além da água, joguei lá dentro algumas giletes usadas que o zelador guardava sei lá pra quê. Não deu outra. Numa manhã de inverno, uns dez graus, aproveitando a saída do Cardeal e com a ajuda dos meninos para distrair Dona Margarida, executei o plano. Diferente do que eu tinha planejado, antes do intervalo o menino abriu a fivela e, vendo o estrago, deu seguidos e abafados gritos de raiva com choro, tudo misturado. Afoito para salvar seu livro, seu sanduíche, enfiou sem pensar a mão na água trincando e um berro agudo e cortante aboliu os verbos defectivos de Dona Margarida.

O que aconteceu depois foi bastante confuso. Lembro somente de ser umas onze da manhã e eu caminhar pro orfanato, suspenso, quando uma caranga de grife encostou na calçada. Era a Dona Cardeal, que me oferecia carona. Ela, como o filho, parecia gostar dessas coisas de perdão, bons modos e piedade que eu já sabia não funcionar muito no mundo real. Dentro do carro, respondi sobre o que aconteceu, falei da minha história, pedi desculpas, acuado, e ela acabou me chamando pra tomar café em sua casa no fim de semana. A três quadras do meu destino, quando o silêncio tinha comido todos os assuntos, ela olhou pro meu relógio e disse, sem importância: “Antigo este teu relógio, muito bonito. Desde quando você tem?”. “Desde sempre”, respondi, baixo. Achando que eu tivesse roubado, ela comentou: “É bem raro, deve custar uns bons milhares de cruzeiros. Meu marido tinha um desses, mas perdeu, há muitos anos”. Meus olhos passaram atordoados pelos traços da mulher e encontraram os olhos do Cardeal cravados em mim. Os mesmos olhos, o mesmo cenho, a mesma pele, a mesma raiva.
Aproveitando o semáforo, saltei do carro e corri, ainda ouvindo no fundo a voz esganiçada da mulher. Minhas pernas não órfãs, pernas que não perguntam, voaram como nunca para o orfanato. Dormi naquele noite com um embolo no peito. Como já disse, não sou muito bom com as palavras.

Apr 14, 2009

O Trombone II




Seguindo as tentativas críticas inauguradas há alguns dias neste espaço, chamo a atenção para um grupo de escritores de conto que já há algum tempo se faz fortemente presente no contexto da Literatura Brasileira, mas só nas últimas duas décadas podemos delineá-los mais claramente. Trata-se do grupo (é ruim, anteponho, o nome que escolho) dos “professores universitários ↔ escritores”. Consoante à tendência estrangeira, cujo exemplo máximo talvez seja o sul-africano Coetzee, o ambiente universitário brasileiro tem abrigado – e/ou atraído – um número significativo de bons contistas, dos quais destaco dois nomes, por fortuidade de “ter caído nas mãos” (talvez não se considere tão fortuito, já que ambos foram meus professores em algum tempo da minha trajetória universitária).

A primeira, Vilma Arêas, chegou-me por seu livro, Trouxa Frouxa (2000), mas como escritora já consolidara uma trajetória literária significativa antes que eu a conhecesse literariamente, com uma voz própria bastante original e um vigor “prosaico” impressionante. Com um estilo que lembra a figura dos caleidoscópios, onde numerosos fractais se alternam, convidando o leitor a realizar o movimento todo-parte de maneira dinâmica, é a meu ver aquela que mais traduz a contemporaneidade pós-moderna em seu estilo. É tudo pleno e fragmentado em sua prosa, é tudo sutil e profundo. Os contos incorporam a tradição urbana da contística brasileira (Trevisan, Fonseca etc.), mas certamente a leva um passo adiante, em flerte constante com os tons de Guimarães Rosa e Clarice Lispector. No momento, a autora (informação privilegiada) dedica seu tempo à criação literária e só resta a nós, leitores, aguardar ansiosos para onde nos levarão as antenas dessa instigante contista.

O segundo, Luís Augusto Fischer, conheci aqui em Porto Alegre, pessoalmente e por meio do seu primeiro livro de contos, O Edifício do Lado da Sombra (1996). O que me chama a atenção (e eu a projeto para os leitores) é a manutenção de uma ironia muitíssima requintada, em outros tempos muito cara a escritores como Machado e Borges (não à toa, objetos de pesquisa do professor), como também um competente controle da forma do conto, muitas vezes duplicado em si mesmo, e da figura do narrador (nas múltiplas identidades que assume ao longo do livro). Preciso correr atrás das demais obras do escritor, mas sua estréia, já em idade madura, e os prêmios recém obtidos permitem que eu aposte muitas de minhas fichas em seu estilo clássico, mas nunca retrógrado.

Aliás, sobre essa distinção clássico x vanguarda, faço uma rápida colocação final. Normalmente as épocas literárias oscilam entre um e outro, talvez num movimento dialógico entre “ousadia” e “solidificação”, talvez, modernamente, assumindo uma acepção mais mercadológica como “novidade” e “linha de produção”. O que gostaria de notar é que nos dois autores abordados nesta resenha há um teor mais clássico de produção textual (visto que compreensíveis, bem escritos, mobilizadores evidentes da tradição etc.), mas também há inovação, nas características textuais de Arêas – uma linguagem onírica algumas vezes – ou nas paratextuais de Fischer – há um conto entre parênteses, por exemplo (mínimo). Seria uma conjunção da antiga espiral oscilante ou vivemos uma época “clássica” em que as ousadias precedentes já estão sendo solidificadas por nossos autores contemporâneos? Daqui a cinqüenta anos, havendo humanidade, um jovem crítico metido a besta estará pensando na mesma pergunta, automaticamente transposta para seu blog pessoal. E viva o último capítulo de Ulisses!

Cornetem!

Apr 13, 2009

Poema Dia

Hoje estou lá no "Poema Dia", conheçam o espaço, se puderem. À exceção de mim mesmo, garanto que vale a pena! Muita arte!

Apr 12, 2009

A materialidade do verso

Conversando nesta semana com um recém-conhecido, tocamos no assunto Concretismo, que arrepia até hoje muitos teóricos e poetas. Não sou nenhum "camposino" de carteirinha, mas há que se reconhecer que eles fizeram com que não pudéssemos mais ignorar a natureza material do versos. Concordam? Também não sei se concordo...



Apr 11, 2009

Coisa - Abracabrália

Já havia postado esta mesma letra no Maná Zinabre, mas resolvi ecoar por aqui, para conectar ainda mais este espaço e o Maná, reunindo os possíveis leitores exclusivos. Quem quiser e puder conferir a melodia, só entrar no My Space da Abracabrália, mas acho que a letra em si já gera algumas discussões que me têm sido importantes ultimamente. Grande abraço a todos e muita arte, sempre!

COISA
Guto Leite & Daniel Coelho

Quem sabe um dia ela não vira alguma coisa?
Alguma coisa, coisa minha, ela não vira.
Uma coisinha, que ninguém sabe das coisas,
Que seja aquela, seja essa coisa minha.

Você não viu, se não amava aquela coisa,
Aquela coisa bem cuidada, aquelazinha,
E vinha toda bonitinha, toda coisa,
A pele justa protegida na blusinha.

Ai minha boca passeando pela coisa,
E pela coisa não passeia, se desliza,
Pra não pisar, não desmanchar, ferir a coisa,
E ter de novo, quando a coisa oficializa.

Eu sei que é sempre tão confusa toda a coisa,
É tão confusa, que essa coisa se complica.
Mas quem irá cobrar de alguém que viu a coisa
Que vá viver sem essa coisa todo dia?

É que nós dois já planejamos tanta coisa,
É tanta coisa planejada, que não vira.
Nossas viagens, nossos filhos, nossas coisas
Vão misturando numa coisa indefinida.

Até que enfim nós dividimos nossas coisas,
E toda coisa não é dela, nem é minha.
E falta força, falta água, falta coisa,
Que nós brigamos hoje por qualquer coisinha.

Os anos passam sobre a gente, sobre as coisas,
A gente acha que qualquer coisa é bem-vinda.
Então tratamos sentimentos como coisa
Guardando em nós alguma coisa, à revelia.

Sem perceber estamos velhos, quanta coisa,
Daí, corremos pra botar a coisa em dia.
Mas nos alcança a coisa que termina a vida,
E finalmente somos coisa, a coisa fria.

Apr 10, 2009

O Trombone I



Pensava já há algum tempo em começar a me aventurar por terrenos críticos de maneira sistemática e até tenho algumas resenhas iniciadas sobre livros, peças etc., mas só hoje, vendo o último filme de Woody Allen, "Vicky Cristina Barcelona" (2008), resolvi de fato partir para o trabalho e chamar os interessados para uma reflexão sobre um pequeno ponto dessa boa obra cinematográfica. O projeto se chama, provisoriamente (como se houvesse algo não provisório no mundo), O TROMBONE. Explico em ocasião mais oportuna sua configuração e seus interesses.

Como leio muita crítica ou tentativa de crítica por conta do mestrado, tendo a preferir começar minha reflexão por um único ponto que por si só elege Woody Allen como um bom escritor e diretor contemporâneo (o que nos dias de hoje é um imenso elogio!), além de dar indícios visíveis de seu estilo e de como a obra se organiza estruturalmente. Refiro-me à cena do jantar em que Vicky (Rebecca Hall) e Cristina (Scarlett Johansson) são abordadas por Gonzalo (Javier Barden). Além do constantemente notado caráter inusitado da abordagem, o convite para um final de semana amoroso em Oviedo - que já traz algum mérito por ser bastante original em relação à cena já gasta de abordagens em restaurantes, presentes em milhares de filmes anteriores - a forma como o diretor/roteirista realiza o desenlace desta cena mostra claramente seu requinte e seu domínio da narrativa. Após a retirada de Gonzalo, que aguarda pela resposta fora de foco, as duas amigas discutem, já que Cristina quer aceitar o convite e Vicky (engaged) não. O expectador crítico já se pergunta como o autor resolverá este impasse sem perder tempo excessivo numa discussão das duas e sem perder a coerência essencial às personagens envolvidas. Pronto: a cena é cortada em meio à contenda e vemos, na cena seguinte, Cristina, que havia aceito previamente o convite, num pequeno avião, numa noite chuvosa, ao lado de Gonzalo. Os ingênuos certamente pensaram "ela foi sozinha e deixou Vicky em Barcelona", mas o mesmo expectador de linhas atrás, curioso, pensa "ela conseguiu levar a amiga para o passeio", e logo em seguida a tomada mostra Vicky, muda, com medo, na parte de trás do avião, sendo saculejada pela tempestade, metáfora materializada daquilo que iria ocorrer a ela a partir de então no filme.

Muitos autores conseguem verbalmente resolver problemas similares, mas poucos são capazes de delegar ao silêncio e a uma seqüência feliz de cortes a narrativa sutil de que precisava. Além de uma inteligência fora do comum, Woody Allen demonstra aprendizado com sua extensa filmografia prévia, onde, em algumas vezes, se agarrou aos diálogos para percorrer este mesmo trajeto. Não digo que o filme seja perfeito, até por haver certo momento enfadonho entre a colocação dos primeiros conflitos e o surgimento de Maria Elena (Penélope Cruz), que reanima la película, mas grito que eis aí um autor que merece a atenção do público contemporâneo que busca o cinema como arte (que inclui entretenimento) e não como um meio puramente de entretenimento. Em vez de perder uma hora e meia com algum filme trivial (ou com outras trivialidades), ganhe uma hora e meia com esta excelente obra do neurótico novaiorquino. Sensual, leve, divertida, sutil, profunda e atual! Eis o desafio!

Cornetem!

p.s.: en passant, como nota, o maior problema que Pessoa e Chico delegaram para os que sucedem são suas completudes! Quanto aos demais poetas e compositores, é possível passar por cima de suas obras sem meio-termos. Em relação aos dois, é preciso quebrar a cabeça para dar a volta, na maioria das vezes, sem sucesso... Pessoa e Chico, em suas respectivas artes, são inalienáveis!

Apr 9, 2009

Parábola



Volto aos versos, filho com medo! Por que renegá-los? Eles que tão cedo me esconderam em sua saia de verbo. Que há muito me ensinaram a distância segura para o resto. Volto apressado e envergonhado como o filho pródigo. Volto pros versos!

o índio

um índio imenso
de cocar sem pena
se move em silêncio

corre quem pensa
foge no tempo
que lhe atravessa

senão nos chocalhos
ao canto dos berços
onde é sua crença

exceto nas tábuas
que vendem o ócio
quando é sua arte

o índio que parte
que some nas eras
que vai para ontem

não deixa na terra
sequer sua morte
não tem piedade

daqueles que ficam
que serão índios
de outras cidades

Apr 6, 2009

Um conto impostor

Sigo na oficina de contos e cada vez mais tomo gosto pelo gênero (ainda labiríntico para mim). No entanto, ao menos, já me incomoda pouco expor-me aqui com alguma história que me tenha passado pela cabeça. Não que não seja mais um impostor, obviamente, mas ser de araque também pode trazer certo charme.
p.s.: posto também um chorinho dia 07 lá no Maná Zinabre. Aos que se animarem, é um espaço fabuloso e em muito me ultrapassa em qualidade e relevância.

Ecce homo

Não sei se por índole natural ou civilizada, os homens tendem a preferir verdades excludentes. É feito disto ou daquilo, é determinado ou casual, é preso ou livre o arbítrio, é abominável ou preferível, é culpado ou inocente. Visto nosso extenso percurso de enganos, está claro que esta não é a melhor forma de conhecermos bem qualquer coisa. Ao invés, proponho entendermos os corpos, físicos e abstratos, como uma relação dinâmica de forças opositoras, entrelaçadas a tal velocidade, diria Heisenberg, que apontar qualquer delas é perdê-las todas. Escolho e não escolho uma dessas relações para que entendamos melhor no que desperdiçamos agora o nosso tempo.

Os homens não mudam, dizem os provérbios, a História e a sabedoria popular. As crianças sim, ainda bichos, moldáveis, aptas, têm escolas, preceptores, e normalmente são educadas pela sociedade vigente a tornarem-se homens (sendo isso bom e ruim). Os homens mudam, eis a moeda corrente dos religiosos, psicanalistas e metafísicos em geral. Basta que um ser superior (Jeová, Tarô ou o Ego) intervenha com sua força descomunal para que drasticamente se altere a natureza do ser. Tomemos, então, todos nós como um único homem. Não o de Platão, porque distante, nem mesmo o de Marx. Um homem máximo, que nasceu com as comunidades mesopotâmicas e que vem se arrastando desde então, reunindo seus fragmentos, até finalmente se achar pleno e orgânico no começo deste século. Olhando no rosto desse Homem, olhando-o nas mãos, vemos sem dificuldades que ele muda. Não mais amaldiçoamos as adúlteras a descair a perna e a inchar o ventre. Também não consideramos todas as mulheres, de antemão, predispostas ao sexo. De mesmo ângulo e visada, vemo-nos ser exatamente o mesmo homem de outras eras, nos movimentos agrários contra Licinae Sextiae e nos segundos socos das brigas de bar, que revidam no direito o manchar das honras e dos olhos.

De que nos serve vermos simultaneamente os homens por dois lados? – objetarão os pragmáticos. Com o Homme au chapeau debaixo do braço, respondo que não nos serve mesmo para muita coisa, senão para estarmos um pouco mais distantes do erro certo. Forçarmos a mudança está previsto e será evitado. Adiarmos a mudança é impossível. Dentro do Homem somos minúsculos, células epiteliais, a princípio, que quanto mais relevantes, porventura, mais nos constituímos organismo adentro, aumentando-nos em importância e permanência. As duas únicas medidas cabíveis (e não excludentes) são: dedicarmos nossas vidas a salvar todos os homens e investirmos nosso tempo numa forma de matá-los. Nisso Jesus e Hitler são idênticos.

Para mim, que além de falar sozinho não possuo qualquer outra mania de grandeza, não se configura ainda de forma clara como devo empregar meu pensamento. Deitado a alguns metros e um par de paredes do quarto de meus pais, perco-me microscopicamente na metáfora do corpo. Se externos, de que nos vale o fôlego? Qual a verdadeira importância de outros como eu, pequenos e substituíveis? Se sabê-lo me torna profundo, eu não teria ascensão sobre aqueles que servem somente para me proteger do que vai fora? Meus pais, que dormem, o que diriam a respeito? Certamente sorririam ou negariam sem entendimento algum, como já fizeram em outras vezes. Nossas diferenças têm se tornado evidentes há alguns anos e não vejo como reatar certa ligação perdida que sinto já ter experimentado quando era bicho. Devo salvá-los, matá-los ou ambos? Tem alguma relevância qualquer um dos meus atos? Qualquer ato, em geral, possui algum sentido?

Durmo pensando que o melhor mesmo é que eu não me case. Se sucumbir, entretanto, que jamais tenha filhos. Caso por descuido venham os rebentos, fingir-me constantemente submisso até enfim conseguir tê-los todos fora de casa. Cada qual que cuide de sua natureza.

Apr 3, 2009

De volta aos versos

Embora este não seja um poema unânime (mesmo em foro íntimo), gosto dele por uma porção de razões mínimas que acabaram me levando a postá-lo. Sinceramente, não espero clemência, pior dos sentimentos possíveis que um leitor pode ser dotado. Espero, outrossim, um desgosto dominante com uma porção diferenciada de ressalvas. Será que acerta meu faro de leitor? Mais uma vez lamento pela impossibilidade de reproduzir a forma exata do poema, responsável por alguns de seus efeitos, e espero toda as opiniões com o mesmo olhar atento para o diálogo. Muita arte a todos, se ainda for tempo de arte!

meia-idade

que término antecipado
ou explosão incontida
que lábio petrificado no ventre de outro lábio
que grito
que tempo em falta ou excesso
sobre um amor delicado
ou olhos desviados
fugindo de olhos fixos
qual dos pares
vaidosos
revestido de sombras
de chamas
que medo
ou coragem súbita para tragar do momento
o seu incenso
que história foi ouvida
que romance testemunha
a mais genial perfídia contra o amor

o que deu ao amante
seu infeliz veredicto
ora expiado

o que faz com que ande
enfim
neste ser condicional