Mar 27, 2010

Herbert de perto

Tive um bom final de semana de filmes. Aproveitei para ver Guerra ao Terror, que é bom filme, mas não melhor do que Bastardos Inglórios, para lhe tomar os prêmios. Vi Julia & Julie e realmente há pouco o que dizer de Meryl Streep. Mesmo em papéis extraídos de personagens exageradas na vida real, como a cozinheira, ela consegue elevar o patamar da arte dramática (há uma cena maravilhosa quando ela descobre que a irmã está grávida, vale conferir). Também vi Herbert de perto e é desse que consturo nosso papo neste espaço.

Não, não saí do filme achando que Herbert canta bem ou que é um dos melhores compositores da canção nacional. Salvo "Alagados", "Uma brasileira" e uma ou outra canção de amor, realmente o admiro mais como guitarrista do que como compositor ou intérprete. Me impressionou a força do homem. Claro que muitos sofrem acidentes ou perdem pessoas queridas e precisam enfrentar a vida de novo, com renovadas motivações. O que me impressiona é alguém que não quebre após descobrir que o tudo que sempre teve é quase efêmero se comparado à capacidade do acaso em despedaçar as coisas. "A vida é um sopro", como disse Niemeyer em outro documentário famoso.

Da infância de lugar em lugar com a família, das arruaças em Brasília (fora do alcance policial, pelo pai militar), ao sucesso dos Paralamas (de passagem, absolutamente justo porque Herbert é talentoso!), ele mesmo diz no filme que conseguiu tudo o que sempre quis na vida. Uma cena tocante é o Herbert depois do acidente olhando para o Herbert dizendo essa frase e comentando: "é, o mané aí não sabe do que está falando".

Ver o filme do Herbert me deu pressa. Pressa porque não sei quanto tempo ainda fico por aqui (um assalto na semana passada talvez tenha ajudado nessa sensação). Se existe algum propósito em eu escrever desde sempre, compor como um maluco (os músicos meus amigos fazem apostas, piadas, desafios sobre meu lance com composição), buscar a precisão da palavra, viver para a arte, eu quero cumprir o propósito enquanto ainda tenho tempo. Se não há propósito algum, preciso aproveitar ao máximo minhas condições (históricas, ideiológicas, discursivas) pra produzir mais e na melhor qualidade que conseguir, porque pode ser que isso mude a vida de alguém, ou um momento da vida de alguém, que já é um universo.

Já vi ou fique sabendo de pessoas que dançaram com minhas músicas, mudaram o que pensavam diante dos meus poemas, se divertiram com meus contos, me abraçaram e se emocionaram quando conversávamos... não há como medir isso, nem o valor nem o alcance. Embora nos outros instantes eu tenha dúvidas sobre tudo, nestes me sinto totalmente justificado, e quero fazer mais e mais, e ao máximo.

Mar 23, 2010

Notícias

Hoje venho só deixar uma notícia. A partir de amanhã, provavelmente, estarei participando da oficina proposta pela editora 8 Inverso, que buscou reunir prosadores de diferentes estilos e idades no intuito de aprimorar-lhes a escrita e, quem sabe, fechar contrato com alguns deles ao fim da série de exercícios.

Me alegrei porque é um dos primeiros reconhecimentos que tive como prosador. Um escritor, talvez Cláudio Willer, há muitos anos se interessou. Depois outro autor, Fischer, elogiou a desenvoltura em sua oficina de contos. Agora isso.

Embora me esforce muito (diferente do poema), gosto bastante de escrever contos ou o que quer que sejam. Espero aprender bastante na oficina e parabenizo muito os demais selecionados (e todos que participaram).

Grande abraço e arte!

Mar 18, 2010

Nerd...

Meus colegas de mestrado, muitos deles já amigos, costumam me chamar de nerd, com toda a justiça do mundo! O que não impede, contudo, que eu provoque de volta com algumas brincadeiras. Eis a última:

Soneto do Nerd

Oh Rui Barbosa, que me cede a voz,
vem afastar a multidão lá fora,
que sob as tochas vocifera há horas,
unindo as armas num perverso algoz.

Se em medo fujo à multidão feroz,
é por não ter-te ao lado, oh caro Górgias,
que me ensinastes tudo e justo agora
voltas à sombra do silêncio, a foz.

Seguem meu vulto com ardis olhares
ou altos muros minha fuga esconde?
Diz-me a verdade, mestre Jô Soares.

A dor das pernas faz sumir a fome...
O peito louco diminui os males...
Não trouxe o pôster da Fernanda Young!

Mar 17, 2010

Seguem as mudanças

E seguem as mudanças deste lado de cá do mundo. Vou tentando manter o ritmo das criações e leituras.

Quanto àquelas, meu próximo livro vai em breve para o prelo e o seguinte, à altura da página 30. Resolvi engrenar também um livro infantil que andava um tanto parado e vou finalmente reunir o Júlio César para um formato publicável.

Quanto a estas, estou lendo alguns livros a tacape, como o de Lima Barreto, ao passo que também me delicio com João do Rio. O mais é pra pesquisa, foco que deve me exigir boa parte do tempo este ano.

Enfim, ainda um pouco sem tempo para me dedicar completamente aos meus blogs, mas com alguma felicidade, posto que devo ter bem mais tempo e logo. Deixo, como fogos de artifício, os primeiros versos do meu possivelmente primeiro livro infantil.

Sempre força e arte!

BITOCA (texto: guto leite; argumento: paula sabagga & guto leite)

Nas épocas mais remotas,
se não me falha a memória,
houve uma certa Bitoca
de quem lhes conto esta história.

Filha de um rei camarada
e de uma rainha amiga,
os seus castigos na infância
eram conversas “compriiiiidas”.

Aos poucos virou mocinha,
mas quem buscou alegria
no rostinho da princesa,
acabou tendo tristeza.

Parece que se sentia,
entre todas as amigas,
a princesinha mais feia
e também a mais sozinha.

Não sei se para animá-la
ou se estava planejado,
deram uma grande festa
pelo seu aniversário.

A louca Fada dos Beijos,
prima da Fada dos Dentes,
foi uma das convidadas,
era amiga dos parentes.

Notando que a princesinha
se encontrava cabisbaixa,
para vê-la sorridente
lançou nela sua mágica.

(e daí segue...)

Mar 15, 2010

poemas

Ainda entre caixas, carretos, o leva-e-trás das coisas físicas e imediatas, posto outro poema da velha guarda. Feliz porque a Flávia indaga se devo mudar. Feliz porque a Val leu, compartilhou e amou, amor de poeta vale cem czares. Só mudo quando algo puxa para onde vou, quando não há mais casa. Sou mineiro, por isso "terra" é a minha terceira palavra. Espero com as novas linhas, que ainda demoram a sair, decepcionar pouco os olhos de linho que me lêem. Talvez eu tenha achado um jeito novo. Talvez seja o mesmo novo de tantos outros. Ainda há espaço, com tudo, para os poemas de sempre. O tempo máximo e o nulo protegem as boas palavras.

parto

não importa o quanto eu sofra
não importa o quanto eu vença
não importa o quanto eu corra
a dança que mostre o vento
os passos que eu mate ou morra

não importam meus amores
o tempo desta sentença
não importam minhas cores
aquilo que eu tome ou roube
a filha o cofre ou a crença

não importa o quanto eu sinta
as mágoas da diferença
ou sem sentir que eu inveje
pela fibra posta em prova
que eu deseje quem morrer

não importam minhas glórias
a toga de bacharel
não importam minhas falhas
não importam meus cristais
não importa o quanto eu saiba

quantas casas decimais
não importa se na prensa
eu quase perder a mão
os dentes que me restarem
para sorrir amarelo

não importa que eu enfeite
a ponte para o castelo
sobre um rio de judeus
não importa que eu livre
do campo a foice o martelo

as medalhas na parede
nos nomes o medalhão
não importa que eu calce
a alpercata e a sede
que eu sinta a fome do chão

não importa que assegure
a permanência dos bens
não importa que eu procrie
não importa que eu recrie
as formas do bem dizer

não importa o quanto eu grite
não importa quanto sangue
minha mãe possa perder
tudo será destruído
tudo será redimido

no instante em que eu nascer

Mar 10, 2010

um poema

Estou trabalhando num novo tipo de poética que contorna um pouco a particularidade do poema, por isso não tenho trazido tantos versos a este espaço. Vez ou outra, contudo, me aparecem alguns poemas antigos - antigos para mim, claro, novidade é necessidade da coisa, não da palavra - e é sempre bom voltar à velha forma de versar, conduzir o verbo por versos e estrofes. Segue um poema.(Como é bom poder dizer isso saindo do turbilhão que é para mim aquele outro jeito de escrever.)

ocaso

beijar-te os lábios
pele sempre nua
como luvas

saber que a palma
quando reclusa
é noturna

mas em vôo aberto
faz-te inquieta
ou segura

medir tuas pernas
pelos palmos
sol

saber o ângulo
exato
em que te acalmo

e o outro
que te nasce
por detrás da casa

para pôr-te depois
e além
saber-te as entradas

janelas e portas
falhas
entre as tábuas

onde guardas
a chave
do prazer

ter-te plena
para perder
muito

constantemente
até ver
de novo

teus lábios
aparentemente
ilesos

rebuscar
um jeito justo
de sofrer

Mar 3, 2010

Tempos de mudança

As ausências, aqui e no Trombone, estão bem justificadas. São tempos de mudança.

Antes fossem mudanças em larga escala - das quais continuamos necessitados -, mas estas são de pequeno espectro: família, casa, ano. Tudo bem, absolutas no plano individual, mesmo que pequenas para os outros.

Como somos o universo das nossas impressões, talvez as grandes mudanças individuais tenham algum revelo fora das gentes.

Trago dois portugueses para dizer por mim sobre estes tempos.

"O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio..."[...] (Álvaro de Campos)

"Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía." (Camões)