Aug 14, 2008

Patternidade II

Ainda nos desdobramentos das questões de "patternidade", ao mesmo tempo em que alivio desavisados leitores dos meus versos desajeitados para ouvidos moucos, trago aqui uma tradução despretensiosa que fiz pra um soberbo poema de um dos melhores poetas que já passaram por aqui. Este, talvez pai de todos aqueles que se proponham a escrever na modernidade. Com cummings e Baudelaire, finalmente alço este blog a um patamar aceitável de poesia de qualidade.

Ao leitor
(“Au lecteur”)
Les fleurs du mal, de Charles Baudelaire


A tolice, o erro, o pecado, a sovinice,
Ocupam nossos espíritos e trabalham nossos corpos,
E nós alimentamos nossos amáveis remorsos,
Como os mendigos nutrem seus parasitas.

Nossos pecados insistem, nossos arrependimentos são lassos,
Nós nos fazemos pagar generosamente as confissões,
E voltamos animados pelos caminhos lamaçais,
Crendo, por prantos vis, lavar todos os nossos laivos.

Na almofada do mal está Satã Trimegisto,
Que embala longamente nosso espírito encantado,
E o rico metal de nossa vontade
É todo vaporizado por este sábio químico.

É o Diabo quem tem os fios que nos movem!
Nos objetos repugnantes, encontramos encantos;
A cada dia, para o Inferno, nós descemos um passo,
Sem horror, em meio às trevas que fedem.

Assim como um devasso pobre que beija e come
O seio martirizado de uma antiga messalina,
Nós roubamos, de passagem, um prazer clandestino,
Como uma velha laranja que esprememos bem forte.

Apertados, formigantes, como um milhão de helmintos,
Em nossos cérebros festeja um povo de Demônios,
E, quando respiramos, a Morte, em nossos brônquios,
Desce, rio invisível, com inaudíveis gemidos.

Se o estupro, o veneno, o punhal, o incêndio,
Não foram ainda bordados em seus desenhos agradáveis,
O esboço banal de nossos destinos lamentáveis,
É que nossa alma, arre! não é ousada o bastante.

Mas entre os chacais, as panteras, os cães de caça,
Os macacos, os escorpiões, os abutres, as serpentes,
Os monstros esganiçando, gritando, grunhindo, rastejantes,
Na infâmia doméstica de nossos vícios,

Ele é o mais feio, mais cruel, mais imundo!
Embora não solte grandes gestos nem gritos,
Ele faria, de boa vontade, da Terra um fragmento
E em um bocejo engoliria o mundo;

É o Tédio! – o olho carregado de choro sem razão,
Ele imagina cadafalsos fumando seu cachimbo.
Você o conhece, leitor, este monstro comezinho,
– Leitor hipócrita, – meu semelhante, – meu irmão!

2 comments:

FlaM said...

É... bonzinho o cara... mas olha, tem um tal de Guto Leite, que esse sim arrepia, é o cara!
hehe! (bobão!)
bj, f

Karen Dumont said...

oi guto!!!nossa, se nao for dificil pra vc, eh claro que gostaria q me mandasse sim!!!
karen.dumont@gmail.com
seu blog eh otimo... depois vou vir com calma ler todos os posts... um beijo!