Mar 9, 2007

Os problemas do excesso

Os mais íntimos já sabem de minha atual intempérie, meu frenesi orgasmático de composição artística. Poemas, contos, músicas, roteiros, tudo tem me trespassado átima e violentamente. Sem descanso. Ótimo sempre pelo que me usam. Ruim pelo desamparo em que me tenho. E ainda é claro, como sempre tem sido desde meus tenros anos, que o problema do artista é o do excesso. Enquanto para os outros (nada pessoal) um momento por dia do fabuloso já tem de ser celebrado, o artista não sabe como (e se deve) conter a enxurrada de estímulos poéticos que o invadem e acaba invariavelmente por julgar ter dito menos do que era pra ser dito. Esse paradoxo é o ápice do encantador. O mundo lírico eternamente oculto como o oásis atrás da miragem, sendo que os outros são viajantes com forças somente para alguns poucos passos, embora não estejam certos da morte por ignorância. Fica um conto.

Déja vu

Quem poderia imaginar que a solução tão buscada para seus anseios se revelaria de forma tão simples? Fez economia por trinta e quatro meses, acertou os detalhes para que os outros pouco sentissem a sua falta e comprou um discreto, mas eficiente, veleiro. Dentro dele, depois de esperadas tormentas de viagem, com a ajuda das estrelas e de um senso navegante apreendido e inato, estagnou-se a poucos metros da Linha Internacional de Mudança de Data. Como a Terra segue de leste para o oeste, indefinidamente, até que provem o contrário, uma vez ao dia, desprende a âncora e manobra seu barquinho pelo vento dentre a região limítrofe e em direção oposta, permanecendo, assim, sempre, no mesmo dia. Em algumas semanas, notou não se sentir mais entediado. Em alguns anos, sua aparência em nada envelheceu, além do esperado pela extenuante vida de marujo. Pesca várias vezes ao dia para hidratar-se e matar a fome. Deixa o barco a nado por alguns quilômetros quando o dia se mostra mais quente. Achara a eternidade no ermo, na incapacidade de deixar de se fazer completo em cada instante. No soslaio de parcos viajantes, fez-se imóvel e eternamente em trânsito, diluiu-se no espaço e no tempo como paisagem.

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