Mar 13, 2007

Nos tempos da fome


Em tempo não muito remoto, éramos capazes de comer poesia. Não havia este ar abstrato, sectarista, isso de existir em parte, de ninguém ver. Poesia era prato principal que se comia aos sábados, sem qualquer espécie de glamour (os mais novos com as mãos) e mais valia o ensejo de reunir a família em torno dos assuntos passados do que aquela iguaria roxa, doce, que prendia a boca, servida dentro de um copo com colher. Em tempo não muito remoto, mais do que sustentar o corpo até o retorno da fome, a poesia digerida tão despretensiosamente fazia com que todos vissem mais graça nas coisas que não eram poesia. Talvez por ser de leve digestão, talvez por motivos mágicos (explicados somente de estômago cheio) - nunca se há de saber -, ao andarmos todos tão freqüentmente digerindo a poesia, portávamos naturalmente uma vontade a mais em viver, uma certa ânsia incontrolável em comer de novo alguma coisa.

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