May 2, 2008

Quanto mais, menos

Ando cético! Extremamente cético! Quanto mais produzo e estudo, mais me desloco. Não há razão para parar de fazê-lo, por isso agravo minha condição de estranho. Não tenho aceitado elogios, pois me agridem. Todo carinho, mesmo verbal, é suspeito. O tempo é uma fila extensa de indelicadezas. O mundo, um amontoado de tudo que é áspero e cortante. Meu verbo, na ânsia do abismo, despeja-se nos arquivos e microfones, mas rejeita o diálogo. Meus olhos são constantemente oblíquos e arredios. Quanto mais me sinto senhor da desorganizada unidade do meu ser, mais meus braços se alongam, mantendo a distância. O fim do processo é morrer semente, não, pólen, ainda mais mínimo. A teleologia, portanto, é necessariamente exógena!

7 comments:

Anonymous said...

Isso lembra aquela frase: "a ignorância traz felicidade", sempre pensei nisso... Conforme vamos adquirindo conhecimento, vamos ficando descrentes em relação ao mundo, principalmente em relação às pessoas, começamos a observar coisas que antes não exergávamos, somos capazes de ver um "outro lado", quase sempre podre, isso talvez explique mentes brilhantes que entraram em profunda depressão ou até mesmo tentaram suicídio. É como se fóssemos perdendo uma certa ingenuidade, uma certa "idiotice" que provavelmente ajuda a viver e o pior de tudo, é um caminho sem volta, não é possível ignorar todo conhecimento adquirido e voltar a ser o que era antes. Porém, continuo acreditando que nem tudo está perdido, é necessário saber conservar um cantinho qq de idiota e ingênuo, por mais que seja uma árdua tarefa, conseguir ver certas coisas com um olhar infantil como se ainda acreditassêmos e ignorando tudo o que tem por trás, todos os porquês, é necessário para nos relacionarmos com as pessoas e principalmente, para vivermos. Talvez seja esse o segredo de viver.

Isaac Frederico said...

bela explanação do nosso amigo do comentário anterior.
porém, acho que "ficar deprimido e até mesmo tentar o suicídio" é levar a coisa para o lado pessoal.

os budistas dizem que devemos "galgar a onda", ou seja, passar pelas marés boas e ruins com naturalidade, como se não fossem com a gente, apenas vivendo-as em sua extensão, nunca encarando-as como uma afronta do devir.

não dá pra relegar que basicamente toda (com exceções, claro) ação é egoísta mas .. quem disse que era pra ser diferente ?
nietzsche ?

Guto Leite said...

Me dá imenso prazer intelectual dialogar com os comentários deste blog. Tanto o primeiro ("não é possível ignorar todo o conhecimento adquirido e voltar a ser o que era antes"), quanto o poeta, de Buda a Nietzsche, trazem elementos incisivos para a discussão. O olhar infantilizado ("O idiota", "O bobo" etc.) é realmente uma alternativa, mas será a mais viável? A persona é realmente necessária? E se víssemos, não como onda, mas como um tanque que se enche? Enfim, só coloco os contrapontos para intensificarmos o diálogo, aumentando o prazer. Tudo por egoísmo...

Anonymous said...

Muito sábia a atitude budista: observar os sentimentos sem deixar que eles causem estragos e ao mesmo tempo, sem querer se livrar imediatamente deles (o que tb causa estragos), aprender a manter o equilíbrio e não se deixar levar por instantes, paixões, extremos... Como foi dito: passar naturalmente pelas marés boas e ruins sem encará-las como uma afronta do devir. Mas a questão é que mesmo não levando como afronta, reconhecendo que a vida é feita de momentos e que alegrias/tristezas, vitórias/perdas são inevitáveis e faces da mesma moeda, é difícil agir com toda essa traquilidade e sabedoria sempre, os sentimentos, mesmo que momentâneos, invadem e acabam nos fazendo reagir. Por isso sugeri manter um cantinho qq de “idiota”, não que seja o certo, aliás talvez seja mais idiota, mas temos que aprender a inventar mecanismos, formas de não se abater, de não se deixar levar por uma visão pessimista após certas descobertas e vivências. O poema o circo, o menino, a vida do Mario Quintana me remete a isso, por isso adoro. O jeito é tentar conciliar conhecimento, visão crítica, aprofudamento, inquietação com tranqüilidade, simplicidade, esperança, otimismo, coisas que julgo essenciais para se viver. O caminho não é reto...

Anonymous said...

Obs.: se formos ver como um tanque que se enche e não como uma onda, o fim pode ser trágico, afinal todo tanque tem seu limite, né.

Anonymous said...

"Todo carinho, mesmo verbal, é suspeito". Tb sinto isso com os comentários sobre as fotos. Nunca sei se os comentários são apenas educados e convenientes, ou se são sinceros. Chego à conclusão de que essa dúvida é resultado da minha insegurança e da "necessidade" de encontrar defeitos e mediocridade em tudo o q eu faço (sou).

Guto Leite said...

Fui atrás do poema do Quintana e é realmente fabuloso. Crescer é perder a surpresa, ou pior, tornar comum mesmo o que nos surpreende. Gerou talvez algumas explicações, veremos... Sobre nossa fotógrafa, Dani, tuas fotos são maravilhosas. Adoro tuas cores e sombras. Como já falamos, prefiro teus olhos da alma às peripécias técnicas. Enfim...