May 22, 2008

A la Brás

Antes eu comentaria a morte da arte! Estive pensando muito nestes dias sobre o tema e finalmente entendi a postura de um grande amigo que se recusa a vender quadros. Como mensurar o impacto da possibilidade de venda no ímpeto criativo do artista? Sim, sim, sempre houve vaidade, reconhecimento, atalho ao prazer e essas coisas, mas saber que se está criando pra um cliente é consciência das mais modernas. Que mandem chamar as carpideiras! Mas desisti de escrever sobre isso. Estou decidido a polemizar menos e a falar menos besteiras.

Depois escolhi falar sobre como tenho gostado pouco das pessoas. Não acredito mais na possibilidade de elevação de espírito - no sentido clássico - e independência de índole e gênio a ponto de um ser humano conseguir ser justo e misericordioso. Claro que, puxando pela memória, consigo identificar algumas pessoas realmente notáveis, mas certamente são bem menos do que eu gostaria que fossem. Frustro-me muito quando identifico em mim reações ou pensamentos que por mim seriam criticados. Mas também desisti de falar a respeito. Certamente causaria antipatia nos meus singulares leitores, seja pela soberba inerente à análise, seja por se identificarem com minhas críticas.

Por fim, inescapável, fica um poema. Baixo, ralo, poema de padaria. E que cada um pense por si!

Psyké

o amor é um inseto pequeno
que rasteja
− larva indecorosa −
sua viscosidade aparente
enseja certo asco
tem na metamorfose
sua mais vil predadora

o amor não tem patas
desloca-se
dobrando o próprio tronco
ao espaço seguinte
o que explica o número exagerado de migalhas
presas em si

por estar no escuro
enquanto cresce
o amor não tem olhos
deles não precisa
já que sucede
um claro par de antenas

deduz-se
sem que eu o diga
que o amor também não porte
boca ou ouvidos
que não se comunique
e encerre tudo o que precisa
em sua natureza

muitos tentam inutilmente
ter o amor sob os olhos
mas a qualquer vôo da vontade
ele se comprime
e foge
nas fissuras do assoalho
extenso demais para ser pleno

outros o apertam firme
no justo intervalo dos dedos
entre duas mãos
estes se surpreendem ao abrirem
e verem que o que antes era
tão belamente disforme
agora é fóssil

só convivem bem com o amor aqueles que o ignoram
deixando-o pelo corpo
com sorte
no casual atrito de outra pele
matam borboletas

7 comments:

Anonymous said...

O poema sobre amor mais diferente que eu já li. Imprevisível. N tem um senão feliz, que supera todos os pontos negativos. Acho que há de ser o poema mais realista que se fez sobre um sentimento tão abstrato. Gosto. Tlz goste pq agora concordo plenamente com o q está escrito. Se eu estivesse apaixonada, ou acharia o poema pessimista, ou invejoso, ou escrito por alguém frio e calculista. Se eu amasse, provavelmente concordaria simplesmente com tudo isso, mas eu própria preencheria a tal frase do senão que n existe nesse poema.

Sobre o comentário inicial: meu pai bem me disse que eu tinha que encontrar alguém pra casar enquanto estivesse na faculdade, pq com o tempo torna-se cada vez mais difícil gostar de alguém. Concordo plenamente, e sei que já passei da idade "normal" de estar na faculdade, portanto, há pouca esperança de viver feliz para sempre. Ainda mais se considerarmos os "contratempos" que me aparecem no meio do caminho e atrasam qq tentativa de ser plena. Plena, pq feliz não combina comigo.

Anonymous said...

Concordo plenamente com você: detesto ser cliente - e receber a amabilidade fajuta. Ser "vendor" é mais repugnante ainda - tenho que agradar, não importa como - e temos a tão odiosa inversão. É tudo mentira!
Estou gostando da voz do outro Augusto ecoando, longe no seu poema. Apesar do tema mais banal e desgastado, o poema ficou incomum (você lidou bem com o problema, na minha opinião). E finalmente, gosto do tom caustico e melancólico ao mesmo tempo, e do desespero maquiado no desassossego.

Unknown said...

Oiiiiiii...
é tanta coisa boa que a gente lê aqui nheimmm Guto.. Passei um tempinho ser ler vc, e ... senti falta. Mas estou de volta.

Um beijo enorme.

=]

Guto Leite said...

Muito obrigado a todos pela generosidade de sempre e, em especial, pela visita ilustre e inédita do meu caro amigo. Meus versos amavelmente agradecem a condescendência e se prometem menos frágeis em encontros futuros. Hoje vai acabar logo, artificialmente. Muita arte e paixão a todos.

FlaM said...

Muito bom teu poema de padaria...
Prá mim, uma média com páo e manteiga...
Vim seguindo teu rastro lá na Bea (compulsão).
gostei muito daqui, dos poemas e do teu estilo de blogar (aconversa bem humorada, o poema, e depois o bate papo na caixa de comentário). Muito bom!
Prazer em conhecer! Abç, Flávia

LG said...

Guto, adorei a parte do inseto. Tem um quê de Radiohead!PERFEITO!!!
Não vou transformar o blog em chat, mas quanto aos poemas, tenho de confessar: o curso tem me feito bem. ;-), Beijos!Lú.

Guto Leite said...

A generosidade dos outros me abre os olhos diariamente!