Feb 13, 2007

Somente

Procura-se uma namorada

Procura-se uma namorada.

Procura-se mulher de lábios finos,
Ainda esguios na arte do beijo.
Lábios de longos contornos, quase dispersos
Ao largo do rosto, tangentes
Na importância diminuta
Da isenção dos prazeres falsos.

Procura-se mulher de olhos vivos,
Olhos de quem nunca teve um namorado.
Para quem tudo é surpresa e aguardo.
Para quem, todas as coisas, se toma, se agrada, se engana
E se larga. O mundo ao primeiro contato.

Procura-se mulher de corpo explícito,
Esparramado por todas as ciências
Mágicas. Além do obséquio.
Procura-se mulher por baixo das roupas injustas
E temporárias.

Procura-se mulher que me espante o verbo,
Não por paixão, que a hora sedimenta,
Ou por medo, que cedo vem à tona,
Mas por justiça,
No peso dos motivos.

Procura-se mulher que suma,
Quando sou grave e cortante,
De dar pena,
Mas volte assim que julgar preciso
Provar-me, desenvolta,
Do valor desmedido dos instantes.

Procura-se mulher sem amigos,
Familiares, conhecidos, animais
De estimação, esbarrões de metrô...
Ou melhor, que os tenha a todos,
Cada qual com suas crises e sua estirpe,
Mas que traga a certeza de alma
De que tudo neste mundo é por acaso,
Senão o amor máximo,
E por isso, e por ele, valem todas as causas.

Procura-se mulher de alma de vento
E coração de pedra,
Para eu me fazer Davi por dentro
Dela,
Sem, com o tempo, perder-me a obra-prima.

Procura-se mulher que não minta
Nem queira grandes conceitos da verdade,
Pois não há.
Que saiba que as grandes divergências do mundo
Terminam num abraço,
Talvez dois. Ao menos deveriam.

Procura-se mulher que entenda poesia
Por afinidade fraterna.
Que ria redondilhas por onde passa,
Versos livres do pequeno ao último gesto
E chore sonetos à noite acuada.

Procura-se mulher que ainda chore
Como eu choro,
Constrangido.

Procura-se mulher que se construa
Metade ao longe, metade estalagem,
E tenha perdido as placas de seus caminhos
Ou não as conheça por descuido avoado.

Procura-se mulher que crio, se não existe,
Para que eu possa também ser seu
Namorado que, se não existo,
Ela crie.

Procura-se mulher que já existe,
Paga-se esta vida
E a próxima.

Procura-se mulher constantemente
Desconhecida.

Procura-se esta mulher com urgência
Para que me abra os olhos
Pela manhã
Adentro
E pelo resto do dia
Eu corra sonolento
Para ter-me ardendo de vida
À volta com seus braços.

Procura-se esta mulher
Que carrega minha alma na bolsa
Como um artefato útil.

Procura-se uma namorada.

3 comments:

Unknown said...

Bom Sr. Carlos Augusto,
Talvez você tenha me pedido algo para qual eu esteja (é condicional) um tanto avesso. (Ao menos a crítica vai ser sincera!) Ainda não sei se devido ao tema, à forma ou se por mera displiscência intelectual, desse pobre aspirante ao erro filosófico, que me deparei com a nota mental:
"já li melhores...". Acredito que você pode fazer melhor. (sei que sai como pode e por vezes é difícil barrar a saida)Pareceu-me um desabafo, compreensível nesse caso, mas ainda sim um desabafo (e ao fundo as vozes do Vinícius e do Drummond se confundindo).
Como eu disse... pode ser que seja só o meu avesso falando, a descrença e todo o reves que eu estou sentindo (sem razão aparente). Apesar de eu achar que tem potencial. Lerei novamente amanhã e amanhã e amanhã. Vamos dar uma chance para o garoto.
Será...
abraço irmão!

said...

O comentário é longo... tá indo por e-mail.

Beijos!

FlaM said...

e achou!
Ops, eu é que achei - o poema (ou o namorado?).
Lindo isso, Guto, lindo!
Que coisa!
vc me deixou de pernas bambas...