Feb 22, 2007

Habitante dos limiares

Sem motivos para abrir os olhos, sem motivos para fechá-los. Sem motivos para saltos de alegria, ou para recolher-me acuado. Sem impulsos de mudança ou certezas de permanência. Sem felicitar-me ao nascimento ou entristecer-me da morte. Sem razões para pensar longe, como os navegantes, ou bastar-me em poucos palmos, como os coveiros. Sem cheirar a terra natal ou arremessá-la. Sem beber a água ou cuspi-la. Sem tragar o ar pesado das metrópoles ou regurgitar a ânsia em seus bueiros. Ando como Caeiro, aprendendo que a vida passa e ninguém se encontra de mãos enlaçadas com ninguém, infelizmente... A vida, ou melhor, o ano passado, hum..., os últimos meses, um ato específico, uma viagem, uma saudade, um amor, uma mulher... sendo bastante exato, me retirou os primeiros motivos. Deus me retira os segundos. Mantenho por ambos um amor imensurável e sem a mínima chance de terminar nos próximos séculos. Aprendo, portanto, a viver com isso, com a lembrança assaltada periodicamente por suas presenças, imagens, proibições delirantes. Deus certamente me fará melhor do que ela, por isso o amo mais, apesar dEste freqüentar menos minhas angústias. Deus certamente precisa menos de mim do que ela, por isso quero esta mulher mais por perto. Também como Caeiro, ando sem motivos explícitos que me deixem afastado dos extremos. Sou habitante prolixo dos limiares.

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