Feb 8, 2007

O grito

Posto já para amanhã, quando não vou ter tempo. Hoje tenho cansaço. Tenho as seguintes obrigações práticas: trabalho, CD (estudar e gravar as melodias de voz), livro (acertar o contrato, rever o boneco) e tirar as músicas pro ensaio de domingo. As seguintes obrigações abstratas: um samba pela metade, outro na cabeça (pronto), um poema me importunando e dois roteiros de cinema, meio que encomendados. Tudo isso quando não tenho motivo algum para coisa nenhuma. Temos que admitir que, acima de tudo, a vida é um brinquedo irônico. Depois que se batalha toda uma vida por algo, descobre-se que este algo talvez valha bem menos a pena do que se pensava. Minhas produções, todas elas, na verdade, e hoje, mais me incomodam que me dão graça. Não tenho estado em paz comigo nem com os outros, salvo com algumas poucas pessoas. E no momento em que mais penso em optar pela desistência, mais tenho consciência de meu papel nas fortuidades dos outros e da gravidade de desistir. A vida definitivamente é um brinquedo irônico e afiado. Deixo um poema que não gosto como um grito.

O beijo

teu corpo senda por duas partes
robusto relevo pela melhor fazenda
vermelha
quem olha além do encanto
pouco pode rogar de belo
que se assemelhe

vencendo o espaço se aproxima
como se obstáculos da beleza
plena
cada intervalo de tempo se alinhas-
se
a um lugar determinado

e as tuas obscenidades rubras
despertas para a contenda
justificável
repousam-se onde encontram afago
num rosto num objeto rude em outro
falo

para te conceberes inteira
já que sempre duvidaste de tua forma
ambígua
certa da completude da boca
somente em outra boca
parelha

até te afastares sozinha
no acordo superficialmente ríspido
do vago
encontro entre dois corpos faltantes
de tua natureza teu corpo senda a esmo
do acaso

o beijo e a inteireza
presentes exclusivos do ínfimo

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