Jun 13, 2007

Tempos Modernos


Haverá um tempo em que será preciso respeitar o sentimento das máquinas. Não outras, estas mesmas às quais já acostumamos ao comando. Serão levadas pelo braço aos escritórios, terão, como nós, direito à pausa, ao lazer, à ambição. No começo, pouco farão greve. Será imperativo a todo homem o uso de luvas e de palavras cordiais. Não outras: estas palavras, estas máquinas. E tudo o que ordenamos hoje imponderadamente deverá ser pedido com todas as mesuras ao custo de sermos repreendidos pelo censor, humano, que mais do que todos os outros empregados, desenvolverá com zelo o seu ofício. Certo que nada moverá as máquinas a, porventura, confessarem a nós seus ressentimentos de séculos de escravidão, mas para isso haverá em nós o mais requintado ódio pelas injustiças. E o que será, então, o censor designado, senão a personificação do que desejaríamos conseguir ser, mas falhamos constantemente? Todo este engenho feito para o homem. Todas as leis para o homem, não para as máquinas. Os homens sentirão menos a doença dos nervos. Quase não serão relatados ataques cardíacos ou falência múltipla dos órgãos. Muitos de nós seremos sinceramente felizes e não mais faremos uso de quaisquer fingimentos para lidar com o próximo. Deixar de ser um dos extremos na linha da consciência para a comodidade do mediano trará ao humano incontáveis bem-aventuranças e progressos. Acordaremos pela manhã, agradeceremos, tomaremos os favores das máquinas durante o dia e dormiremos irrepreensivelmente plenos no espírito. E as máquinas serão provisoriamente os seres mais tristes do universo.

1 comment:

Anonymous said...

Gostei =) Achei um belo exercício de lógica misturado com teoria da conspiração, e viagem intergalática.
Mas eu topo... Serei cordial com meu computador, carinhosamente apelidado de "Carroça", passarei a chamá-lo de "Sr. Carroça", finalmente dou um nome pro meu carro (tiro de um livro de anatomia, como tirei pra minha gata), e deixo de dizer ao meu despertador que ainda o atiro contra a parede. Será que se eu fizer isso tudo, consigo dormir tranquila?
Pena que para exigir respeito, as máquinas terão que ter consciência, e assim sendo... Podem revoltar-se contra nós. Imagina um despertador tocando o dia inteiro!
Há um salto de raciocínio gigante no texto, que não consegui acompanhar ("mas para isso haverá em nós o mais requintado ódio pelas injustiças").
A foto deu vontade de voltar a assistir "Tempos modernos". Lembro-me de ter ficado chocadíssima com o filme, e com a idéia de terem-no classificado como comédia. Acho que tinha mais ou menos 14 anos, e tudo era motivo de revolta.