Nov 24, 2006

Em jejum

Hoje acordei triste. Um pouco em razão das reações causadas pelo comprimido de ontem, outro pouco por saber que será preciso tomar outro hoje. Tenho um desamparo constante no mundo, de falta de abrigo. E os únicos olhos que me entendiam, como um contrato de alma, estão distantes. À noite retomo a guarida dos meus amigos, em busca de um pouco mais que afinidade. Busco a causa, sempre, de levantar cedo, de ter o canto dos pássaros à minha janela, de falar com as pessoas, de ter contato, de sorrir, de sofrer. O mundo contemporâneo, em boa maquinaria histórica, transportou as causas a tempos remotos e isolou-as sob a alcunha do "fato". Não quero ter de expropriar-me ao máximo, obviamente, por pulsão, mas às vezes é tanto esforço para ter-me concentrado neste espaço de amor vulgar e cordialidades, que penso verdadeiramente no caso. Segue um poema de hoje, ainda sem reparos, que mais vale o silêncio hermético dos versos, do que o brado do bardo.

Em jejum

a tristeza como um comprimido
dois
pela manhã
antes do leite
sem contra-indicações

traz na fórmula
saudades-desamparos
em cápsula do futuro

já dentro em partes
despedaça-se no organismo
em movimento
e quando encontra canto que lhe guarde
dói

mas dói tanto tanto
em tanto me exila da verdade
em tanto concubina da distância
que pouco dá vontade
de tomar o leite

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