Jul 3, 2008

O coro e o corifeu

Numa entrevista para o JT há alguns meses, uma das perguntas feitas pelo repórter foi no sentido de para quê, afinal, serve a poesia. A resposta de todos, unissônica, portanto estúpida, foi a de que não serve para nada. Tudo bem, escritores jovens servem para dizer isso mesmo, ótimo. Eu, como sempre prefiro o meio do rebanho a roçar o pêlo na cerca, assenti no momento com os demais e bola pra frente. Só hoje consigo vislumbrar o preço da minha negligência, um preço tamanho! Obviamente que a poesia precisa trazer em si alguma serventia, se fosse somente para tabuletar a sublimação dos poetas, todos iam fazer sexo e tudo bem. Se eu não acreditar na capacidade da poesia de mudar, mesmo que levemente, o seu leitor, o velho efeito catártico caro aos gregos, ando perdendo o meu tempo. Se a poesia só servir para, quando eu estiver definitivamente frio, trazer meu nome numa página da Internet, com foto e bibliografia, mato-me já e chega! Acrescento ao que dizem normalmente: num tempo em que o espírito dos homens anda tão ralo e escasso, talvez a poesia se faça como uma espécie de arauto, que leva também a coroa.

p.s.: livro terminado! Os que se prontificarem a me ajudar com suas leituras e impressões, mando "os originais" por e-mail, assim que solicitados. Muita arte a todos!

Quando não há aniversário

em dias de tristeza
não se faz aniversário
as velas queimam cerejas

o tempo áspero trapo
arrasta no espaço buracos
miasmas lábios do avesso

destino enviesado
range demora e se chega
não há quem fomente o azo

batendo palmas
há o enfado do atraso
que não prossegue nem pausa

não é calma nem pressa
um sopro do desabafo
que infesta se as velas vazam

("poemas lançados fora", Guto Leite, 7Letras, 2007)

8 comments:

Vinicius said...

É guto, acho sua afirmação - diante da utilidade ou não da poesia - legítima. Isso apesar de achar que, em tempos onde o espírito anda escasso, existe algo de glorioso na inutilidade.
Mas acho também que há necessidade, mais que uso, pra poesia. Necessidade da poesia de ser, o que contempla leitor e poeta. Necessidade de contato com a poesia, de acordo.

E, ademais, acho que já fui longe demais. Foi mal.
Mas quero um exemplar, claro, desse livro no e-mail. O velho papel ainda ganha da tela.

grande abraço.

Isaac Frederico said...

guto, ponha meu nome na lista, fico no aguardo do quitute.

creio que a poesia tenha 1000 utilidades, apesar de não ser bombril - e isso de acordo com a utilidade que cada leitor faz, ainda que seja a de ser inútil.

quanto à serventia dos versos para o autor, bem, qual mais clara que a de desanuviar os barulhos ?

são os versos ou o barulho da modernidade, meu caro. e para os inaptos, dorme com um barulho desses !

Beatriz said...

Guto, na fila!
Sabe, é sempre depois mesmo que a gente se liga. Percebe que não disse, agora se descobre pq não disse , bem aí nem vem ao caso, né?! rsrs
A poesia ? Sem ela como seria? Nem faço idéia. Pergunta completamente bizarra.
Esse poema é lindo demais, inteiro ele é belíssimo. Imagens de tristeza em festa. Suave, Guto. Parabéns. E não se esquece de mim? Repetindo tô na fila, ok? Ah, e só pra provocar: ladies first;))

FlaM said...

Guto, eu canso de dar essa mesma resposta sobre a antropologia. É que a pergunta é errada, equivocada. Poesia, não é para quem procura a instrumentalidade das coisas.
Que chato, Guto, parece que vamos nos desencontrar em Porto Alegre! Eu queria tanto conversar contigo. Queria que vc me ensinasse umas coisas.
Ah, a gente vai deixando prá depois, né?
Um dia rola! Quanto à sua pergunta, eu sempre volto a Porto Alegre!
Vai rolar, vai rolar...
bj, Flávia

Mimi said...

A poesia não serve para nada além de acalentar o coração humano.

Eu busco repouso e abrigo nelas.

Guto, eu quero! ó: mimisis.k@hotmail.com

E a tua poesia de hoje, me serviu como uma luva.

beijos sedentos de ler você e com saudade

Heyk said...

Bom, manda pra mim sim, guto. Leio já nesse final de semana e digo.

Cara, a coisa é a seguinte, essa noção de que as coisas são mais ou menos importantes de acordo com a sua utilidade é coisa recente. Macaquice do séc dezenove. E macaquice do século dezenove nascida na europa. As outras sociedades, que conservam algo que não seja capitalismo em lata não pensam assim. Utilitarismo à merda.

Partindo daí, não é como utensílio que algo tem que ser medido. Tem gente que fala que as coisas do mundo existem pra ser conhecidas. Eu gosto disso. E depois de conhecer, se quiser fazer algo com elas, problema seu.

As coisas existem pra existir, bota adubo se achar bonito. Aí cultivamos umas coisas e outras não. O que não cultivamos com o tempo desaparece mesmo. Dá-lhe poesia, dita por uns das primeiras coisas que rolaram depois das sobrevivências básicas em geral. Logo, se sobrevive é cultivada, se é cultivada, tem quem goste. Gostemos!

Guto Leite said...

É instigante como falas aparentemente próximas revelam nuances que a distinguem irreconciliavelmente! Foi boa a discussão, tocou nso brios dos amigos! Concordo no geral, discordo de algumas nuances... Debate qualificado se faz muito disso. Obrigado pela generosidade de espírito, caríssimos!
p.s.: livro enviado a todos, primeira versão, espero que se entretenham...

Anonymous said...

É por aqui que peço o meu exemplar? Rs...
Sempre leio o blog. Diante da minha ignorância para poesias tão bem elaboradas digo que elas são lindas, por hora tristes e (como dizia uma professora) fazem nascer não o ser, mas a consciência.
Beijos!!