Jun 12, 2008

O Dia de Valentino

Em homenagem ao Dia de Valentino (que obviamente acho uma estupidez, mas me reconheço minoria), posto dois poemas do "Poemas Lançados Fora" (7Letras, 2007). Gosto bastante do primeiro deles por um motivo bem simples: tem dias que o acho completo, tem dias que o acho medíocre. Nessa oscilação de algo posto reside uma graça que me encanta. Um bom Dia de Valentino a todos que discordam de mim! (post scriptum antes: o blog não me permite reproduzir a forma exata dos poemas, sugere "O maior arranjo do mundo" e mutila "Os botões da rua Augusta")


O maior arranjo do mundo

Quando não tinha mais nada o que fazer, tomou todas as flores do mundo
e deu a ela. Certo que não lhe cabiam nos abraços cada begônia, lys,
bromélia, rosa, todas as outras vis. Ela soube ganhar o presente.
Retribuiu num beijo breve de mil gametas, fecundado, leve.
Este floresceu no peito infértil do jovem a tarde inteira
e só a noite pôde acalmar o unímpeto da semente.
No dia seguinte, logo de manhã, foi somente
esperando marcar a data que entrariam
no primeiro concurso. Só ela tinha
flores, afinal. Mas encontrou,
no mesmo arranjo: beijo,
outro homem, ela; e
desfez-se baixo,
muito baixo
como a
péta-
la.


Os botões da rua Augusta

por favor querida
afrouxe um pouco esses botões de madrepérola
que trouxe da rua Augusta

busquei-os nos mais profundos segredos
nas botas das damas
no negócio estupendo que se faz do engano
e da esperança
nas trapaças lançadas em mini-palanques de bigodes
nos rabos de olho nas portas fechadas à corrente
no imóvel decrépito que anuncia chiquinhas gonzagas
como última novidade

é que no começo pareciam tão adequadas
depois sobravam apertavam destoavam
numa duração excessiva para abotoaduras
acho que passei a dar-lhes importância
a aventar-lhes o eterno, o meu eterno
achei lúdicas dentro da caixa
quase inofensivas
sur-
presas
mas pandoramente fiz-me infantil para brincá-las
e desjeito
-me braços em como pedir-lhe

desculpas querida
se a incomodo com detalhes tão pequenos
que trouxe da rua Augusta

10 comments:

FlaM said...

E eu
Pandorgamente
Me faço adulta
(demais)
para brindá-las
em meu céu azul
dolorosamente
azul
tua
mente
azul

beijo (valente, em dia valentino)

Mimi said...

Valentino, o estilista? Brincadeira, mas eu achava que era dia 14 de fevereiro... o que também é bobagem pois estamos aqui falando do dia dos Namorados, não?

Bobagens tantas vezes aquecem esse meu coração! ui, ai..


A forma e as palavras formam um e outro poema mui deliciosos a esses olhos míopes meus.


Um feliz dia, todo dia para vc.

(Guto, tomei a liberdade de te linkar pq sou fraca de memória e gosto de ter os blogs que gosto ao alcance da mão.)

FlaM said...

Querido, esqueci de dizer, lindos os poemas. O arranjo eu já conhecia. Mas gostaria tanto de ver como eles deveriam ser...
bj, Flávia

Beatriz said...

Guto, eses botões do sur..pandoramente encantados pelos desvario da rua augusta são lindos. E adorei a construção do poema quase prosa. adoro, adoro. as botas das damas ao lado das chiquinhas gonzagas. guto, que riqueza de poema.
*arranjo eu conhecia e gosto. mas os botões...ah, os botões são de madrepérola.

Heyk said...

Rapaz que legal a coisa.

sabe, pra ajeitar poemas de mais letras do que cabe na linha do blog tem duas saídas: diminuir a letra ou mexer do html , pô mais pixels pra seu espaço de postagem, é bem simples,´só ir em lay-out e depois html, vc vai ver o numerinhos lá dos pixels das ciaxas de postagem e tal...

sou analfabáitico e achei.

olha, gostei de umas coisa de frase longa, mexo com isso e fui com a cara... massa... vi problemas. mas não os vi só, tem coisa boa.

FlaM said...

Tô cum saudaaade!
tá certo, eu disse que não tinha cobrança... mas fazer o que? se a força desse amor nos invadiu? Aí eu sinto falta!
Foi tão bom assim o dia dos namorados é?
humpf!
sodade...
bj, f

Guto Leite said...

Salve, caríssimos, muito obrigado pela crítica sensível e poética de sempre! Obrigado também muitíssimo, Heyk, pelo ensinamento e pela crítica (gostaria sinceramente de saber mais sobre os problemas que vê, sou cabralino de carteirinha)! Mimi, nem precisava pedir, gostei muito do teu blog e de tuas visitas. Flávia e Béa de sempre, sublimes! Tenho dúvidas de como corre o tempo de pessoas sublimes, me explicam?
Muita arte a todos, muita!

Anonymous said...

Ás vezes este vosso Português não é fácil para mim...mas é muito divertido!Alguns termos são-me toralmente desconhecidos.
Pois aqui em Portugal, dia de São Valentim e não são Valentino como aí, comemora-se no dia 14 de Fevereiro, em pleno Inverno. Sempre como muita chuva e, bastante frio.

Saudações desde Lisboa, a entrar no verão, embora tímido...eu imagino o Agosto terrível de Porto Alegre:)já me contaram...quase neva:)Tenho que ir ver essa coisa terrível:)

Filipa V. Jardim

Isaac Frederico said...

aloha guto !
"o maior amor do mundo" eu já havia comentado em outras ocasiões.

os "botões da rua augusta" é francamente uma genialidade - e me permito dizê-lo sem os ares de quem apenas elogia.

tem um ar wildeano soberbo, meio blasè, meio afetado, totalmente certinho e preciso.
o "poemas lançados fora" é repleto dessas pérolas, como "vitral" e "monte de água".

Guto Leite said...

Aloha! O blog sempre muito bem visitado expande seus limites. Ao lisboeta Filipa, espero entreter-te como meu lirismo, que te valha a viagem. Ao poeta-marujo Isaac, agradeço muito! Como já disse, não somente em função desta, mas também de outras, exerce bem a função crítica que Machado sempre requeria. Arte nos tempos de desastre!