Apr 10, 2009

O Trombone I



Pensava já há algum tempo em começar a me aventurar por terrenos críticos de maneira sistemática e até tenho algumas resenhas iniciadas sobre livros, peças etc., mas só hoje, vendo o último filme de Woody Allen, "Vicky Cristina Barcelona" (2008), resolvi de fato partir para o trabalho e chamar os interessados para uma reflexão sobre um pequeno ponto dessa boa obra cinematográfica. O projeto se chama, provisoriamente (como se houvesse algo não provisório no mundo), O TROMBONE. Explico em ocasião mais oportuna sua configuração e seus interesses.

Como leio muita crítica ou tentativa de crítica por conta do mestrado, tendo a preferir começar minha reflexão por um único ponto que por si só elege Woody Allen como um bom escritor e diretor contemporâneo (o que nos dias de hoje é um imenso elogio!), além de dar indícios visíveis de seu estilo e de como a obra se organiza estruturalmente. Refiro-me à cena do jantar em que Vicky (Rebecca Hall) e Cristina (Scarlett Johansson) são abordadas por Gonzalo (Javier Barden). Além do constantemente notado caráter inusitado da abordagem, o convite para um final de semana amoroso em Oviedo - que já traz algum mérito por ser bastante original em relação à cena já gasta de abordagens em restaurantes, presentes em milhares de filmes anteriores - a forma como o diretor/roteirista realiza o desenlace desta cena mostra claramente seu requinte e seu domínio da narrativa. Após a retirada de Gonzalo, que aguarda pela resposta fora de foco, as duas amigas discutem, já que Cristina quer aceitar o convite e Vicky (engaged) não. O expectador crítico já se pergunta como o autor resolverá este impasse sem perder tempo excessivo numa discussão das duas e sem perder a coerência essencial às personagens envolvidas. Pronto: a cena é cortada em meio à contenda e vemos, na cena seguinte, Cristina, que havia aceito previamente o convite, num pequeno avião, numa noite chuvosa, ao lado de Gonzalo. Os ingênuos certamente pensaram "ela foi sozinha e deixou Vicky em Barcelona", mas o mesmo expectador de linhas atrás, curioso, pensa "ela conseguiu levar a amiga para o passeio", e logo em seguida a tomada mostra Vicky, muda, com medo, na parte de trás do avião, sendo saculejada pela tempestade, metáfora materializada daquilo que iria ocorrer a ela a partir de então no filme.

Muitos autores conseguem verbalmente resolver problemas similares, mas poucos são capazes de delegar ao silêncio e a uma seqüência feliz de cortes a narrativa sutil de que precisava. Além de uma inteligência fora do comum, Woody Allen demonstra aprendizado com sua extensa filmografia prévia, onde, em algumas vezes, se agarrou aos diálogos para percorrer este mesmo trajeto. Não digo que o filme seja perfeito, até por haver certo momento enfadonho entre a colocação dos primeiros conflitos e o surgimento de Maria Elena (Penélope Cruz), que reanima la película, mas grito que eis aí um autor que merece a atenção do público contemporâneo que busca o cinema como arte (que inclui entretenimento) e não como um meio puramente de entretenimento. Em vez de perder uma hora e meia com algum filme trivial (ou com outras trivialidades), ganhe uma hora e meia com esta excelente obra do neurótico novaiorquino. Sensual, leve, divertida, sutil, profunda e atual! Eis o desafio!

Cornetem!

p.s.: en passant, como nota, o maior problema que Pessoa e Chico delegaram para os que sucedem são suas completudes! Quanto aos demais poetas e compositores, é possível passar por cima de suas obras sem meio-termos. Em relação aos dois, é preciso quebrar a cabeça para dar a volta, na maioria das vezes, sem sucesso... Pessoa e Chico, em suas respectivas artes, são inalienáveis!

2 comments:

Breu said...

Guton,

confesso que nao gosto do filme. Gosto desta sua análise mas nao do filme como um todo..

Acho ele um pouco sem sal, a nao ser por Penélope, que mostra a fragilidade da atuação da dona Scarlet..

Não vou me estender muito aqui..
Mas adoro a idéia..mesmo sem saber muito dela!
Parabéns!!

Breu

Guto Leite said...

Salve, querido, nem acho também que o filme foi o que mais me impressionou dele a princípio. "Noivo neurótica, noiva nervosa", aquele de Nova Iorque e "Match Point", fato, falaram mais alto, enfim. Fiquei foi encantado nas miudezas, rs... Ou seja, umas postagem minimalista! Abração e parabéns pelo blog, está sensacional!