Apr 18, 2009

Volta aos versos

Tenho escrito muita prosa, o que inevitavelmente atrapalha minha poesia. Apesar de ser a mesma matéria, a mesma curva, são duas forças que apontam para direções diferentes da palavra. Pender para uma delas é atrapalhar as duas. Assim que acabar um roteiro e a oficina de contos, prometo (a quem?) poemas menos prosaicos do que este. Ainda bem que Álvaro de Campos, na minha cabeceira, sempre estende seus braços e ainda durmo, verbo, na minha linguagem de sonhos.

pessoa revisitado

as lágrimas desmedidas das mocinhas de novela
as festas as buzinas os gritos os interpelos
as conversas que escapam nos espasmos dos tetos e paredes
os saltos os pneus que se apressam retardam e freiam
os versos de apelo de álvaro a walt whitman
as últimas cenas dos filmes comerciais os comentários
de futebol os tiros os fogos de artifício os escapamentos
os toques de celulares os comícios as promoções
dos pacotes das televisões a cabo
zap...zap...zap...zap...zap
a violência real dos noticiários da noite
a violência real dos documentários
a violência real dos filmes de ficção científica
os desfiles militares no oriente médio
os feriados que saúdam os soldados de chumbo
as tropas de choque a política de boa vizinhança
de Israel as vozes das crianças as portas os interfones os alarmes
os conselhos deixados por cada pessoa morta
os ditados populares os álibis os axiomas
as caçambas sendo içadas lentamente roldana contra ferrugem
os arranques de motor as cruzadas ambientais
em nome dos santos animaizinhos os gols
os touchdowns os aces os homeruns
os liquidificadores os cortes dos objetos de metal
que morrem ao bater no chão

não há silêncio
nem haverá
silêncio
adiante

é tamanho o verbo empalando os homens
que a voz não sara ao vir de dentro
mesmo se a fala suprema fosse finalmente despertada
aquela para onde todas as falas se encaminham
a razão pela qual a língua foi criada
esta seria nada uma entre tantas outras
falas vãs pequenas inúteis valas de palavras
ainda bem que trouxe sua blusa de manguinha
os agradecimentos as mesuras os aceites
as cerimônias as fotos de viagem
o grito que todos gravam fibra a fibra nas entranhas
para um dia exilarem
tremendamente para cima para nunca mais
calarem
e todos sentirem o incômodo deste excesso de barulho

No comments: