Nov 23, 2008

O filho apagado

Escrever como profissão. Tomar uma ou duas horas diariamente para a prática, mais o tempo em que inesperadamente se intui um poema, um verso, uma imagem, sempre fora de hora, ou na hora exata que lhes pertence. Enfim, é algo que ainda não consigo, mas já o faço, se não em viagem, em dois ou três dias na semana. Quando, e este é o ponto da postagem, o número de poesias se torna um pouco mais robusto, surge o fenômeno peculiar do poema mais ou menos. Trata-se de poemas que nem de longe trazem o poder sintético ou imagético de seus mais bem acabados comparsas, mas que mesmo assim carregam alguma coisa que seduz seu autor a ponto dele achar que deve publicá-lo (no sentido estrito do termo), mesmo sabendo que o considerarão pior por causa deles. Para deixar mais ácido, comparo o quadro aos pais de cinco filhos, dentre os quais um (ou dois, ou três, ou quatro) se mostra bem mais lento que os outros. Tá, vai lá, tem seus defeitos. Tudo bem, tudo bem, é apático e desinteressante, mas é deles, dos pais, no mais razoável dos amores. Alfinetando pro outro lado, costumo dizer isso dos poetas brasileiros. Todos? Talvez. Eu pelo menos. Defeituosos, mas nossos!

nota de falecimento

pelo amor especulativo
que os homens mantêm entre si
pelo dinheiro
matou-se esta manhã
com um tiro no peito
um operador da bolsa

deixa viúva filhos
uma mancha de seis gramas
de chumbo
na camisa do amigo
além das onze prestações restantes
de uma arma 38

6 comments:

Victor Meira said...

Legal a introdução auto-consciente e honesta, Guto, haha. É um poemazinho simpático. Me incomoda mais a falta de síntese do que a de imagem. Talvez haja alguns elementos narrativos desnecessários entre os versos.

Legal. Acho que gostei um pouco mais do preâmbulo do que da poesia em si. Cê é bom nesse papo inicial.

E aí, como foi aqui em Sampa?
Abraço!

Victor Meira said...

Ah, te coloquei lá no Quadrado pra acessar aqui mais com mais frequência. Abraço!

Anonymous said...

eu gostei...
gosto mesmo é do que simples e sem grandes pretenções... sempre funciona comigo...

Anonymous said...

A inspiração poderia deixar de chegar, dando com o pé na porta a hora que bem entende, e experimentar o acordo tácito com o veiculo de transmissão, ou até mesmo o contrato assinado por ambas as partes para assegurar que os horarios estipulados sejam cumpridos....

Anonymous said...

muito boa a nota de falecimento, muito boa!

Guto Leite said...

Salve queridos, agradeço mais uma vez o alto nível da crítica desferida neste espaço. Vitão, crítica recebida com carinho, preciso pensar. Inicialmente, escolhi as palavras exatas pra duplicarem o sentido e reforçarem as raras imagens, mas, se não rolou, volto pra alcova. Salve a ironia mordaz de Dom Guilherme, de quem as palavras duram anos, enfim. Obrigado Everton e Camilas! Muita arte e poesia a todos! Fico realmente feliz com as visitas de casa