Dec 1, 2007

Onde?

Voltando do silêncio, se é que dele se volta, compus com mais um parceiro diferente esta semana: Daniel Coelho, grande baixista e amigo. O que gostaria de comentar é a respeito de como o processo de compor pra quem já escreve é engraçado, complicado ou, até mesmo, impossível. Escrevo poesias desde pequeno e, por isso, colocar palavras num determinado ritmo, acerca de um tema tal, gerando uma construção específica de sentido, no ambiente da canção, não é algo que necessite de muito esforço. Claro, com a qualidade dubitável de sempre, mas, ao menos, não me demoro muito. O problema para mim, e talvez o problema para muitos dos compositores que foram antes escritores (ou se pensaram escritores, enfim, não é possível ser formalmente rigoroso fora do silêncio, desculpem a digressão), é definir com clareza o tom do lirismo utilizado. Não se pode ser rebuscadíssimo, "olha que bela música parnasiana", mas também não é adequado visar demais a linguagem popular, ao custo de se perder a profundidade de uma imagem ou rima bem construída e compor algo que só reitere os clichês de sempre. Como resposta, ando sempre à casa dos clássicos, tanto originalmente letristas (Noel, Cartola, Chico, Gil), quanto os que primeiro se arriscaram bidimensionalmente (Vinícius, Leminski, Cazuza ), nem que seja para deixá-los em seguida, a xícara vergonhosamente fumegante. Deixo a letra que fiz, razão de toda esta dúvida, no espio da xícara fumegante.

A noite do fim do mundo
Música: Daniel Coelho
Letra: Guto Leite


Vou me arranhar, rasgar-me em trapos,
Se a gente não chegar num trato,
Para esta noite não ter fim
Pra acabar.
Eu vou sumir, cair num rio,
Achar meu corpo no baixio,
Para esta noite não ter fim
Pra acabar.

Se você sorrir
Medos de menino,
Vou admitir,
Que fim?
Se a manhã disser
Sombras do destino,
Eu vou ser mulher
Ruim.

Vou rebentar, a corda agüenta,
Me saciar no amor de rendas,
Para esta noite não ter fim
Pra acabar.
Eu vou correr, fugir de tudo,
Molhar meus olhos moribundos,
Para esta noite não ter fim
Pra acabar.

Vendo o que tiver,
Abandono os filhos,
Me agarro a qualquer,
Que fim?
Se a noite fugir
No cantar dos sinos,
Eu vou ser ruim,
Mulher!

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