Jan 23, 2010

Ensaio pouco inspirado

Não acredito na inspiração dos românticos. Aquela que assalta o artista, vinda de "algures", e traz uma obra de arte pronta. Também não acredito na inspiração dos (digamos assim, pela simetria) clássicos, que é fruto exclusivo de trabalho, dedicação, esmero, aperfeiçoamento. Se eu fosse um pouco mais niilista, diria que não existe inspiração e acabaria a conversa por aqui.

No mundo ideal das boas polêmicas e da opinião ainda levada em conta, choveriam dezenas de e-mails de pessoas testemunhando como já foram tomadas de inspiração - até mesmo alguns amigos testemunhando como já me viram inspirado - ou citando exemplos de pessoas que, depois de muito trabalharem, acharam formas convincentes para realizar suas artes. Pois bem, como é o que a lógica me deixa, acredito na conjunção das duas.

Só alguém muito obtuso, ou de pouco talento, negaria a inspiração romântica. O momento em que você se vê tomado por uma rotação diferente dos sentidos e em poucos minutos é capaz de compor um poema, uma canção, uma máxima etc. de grande coerência interna e poucos erros, considerando o tempo que demorou para fazer. Seria epifania, um acesso breve ao inconsciente coletivo, um entendimento limitado do sentido completo do mundo, das pessoas ou das palavras, dificilmente repetido em estado de não inspiração. Não sei, algo assim, dificilmente verbalizável mesmo. Também não sei como funciona a inspiração em obras de maior fôlego: romances, peças, epopeias e cia, embora conheça romances e peças realmente inspirados.

Igualmente só o mesmo obtuso, ou outro, afirmaria de cara limpa que a prática não ajuda tudo isso. Depois de algumas centenas de poemas, tenho muito mais segurança sobre o pulso do verso, a ideia que não vai dar em nada, a palavra que dificilmente se acerta, o sintagma non grata. E olha que ainda me sinto bastante neófito na arte poética! É evidente que a prática, se não leva à perfeição, afasta da precariedade estética, ao menos. Conheço, entretanto, algumas dúzias de escritores muito esforçados e de pouca inspiração, que vão aos poucos sendo cobertos pela areia do tempo.

Inspiração, para este ensaísta pouco inspirado, é uma tradução particular para "vontade"! Não qualquer vontade, mas A vontade primária do sujeito. Todos, nesta perspectiva, lidariam com algum grau de inspiração (uns mais, outros menos), mas só alguns viveriam a felicidade de sentir que suas vontades são adequadas ao tempo em que vivem, enquanto que a maioria, postumamente, é que costuma ser premiada.

No frigir dos ovos, meu amigo, trabalhe, estude, pratique aquilo que tem vontade! Caso se inspire, certamente haverá uma chance maior de estar criando algo interessante e, por conseguinte, fazer parte da loteria do reconhecimento. Ainda tem o dinheiro, o poder, a beleza física, o acaso e outros tantos fatores que viciam essa loteria, certo? Certíssimo! Mas pensar nisso, sobretudo atualmente, é coisa que não recomendo, com o risco de simplesmente abdicar da vontade e conseguir dinheiro fácil em alguma ocupação segura.

Nossa época precisa de pessoas inspiradas! (uma frase perigosamente rebaixada a lugar comum)

1 comment:

Luciano said...

Aue Gutus,
Que bom te ver por aqui novamente, meu velho. Melhor ainda, poder ler os teus escritos.
Abração.