Jan 20, 2010

Entre antes e depois

Estou lendo Bauman, um dos principais teóricos do que se tem convencionado chamar de pós-modernidade. Leio, confesso, menos para saber o que é do que para entender melhor aquilo que sinto. Também leio, com menor peso, para tentar explicar com propriedade do que se trata àqueles que acham que pós-modernismo é ver TV e ouvir música ao mesmo tempo, e não são poucos.

Cá entre nós, sou um estranho. Segundo o teórico, aquele que não se encaixa no mapa cognitivo, moral ou estético do mundo (em teoria, basta não caber num dos mapas, mas tenho o pacote completo). Sou um leitor obsessivo e as aulas sempre me pareceram necessárias somente nos primeiros quinze minutos. Acredito que palavras e assinaturas se equivalem. Detesto mentiras, mesmo as úteis. Sou o tipo do cara que diz que não gosta do presente, caso perguntado. Se, com esforço, consigo mentir e não sou pego pela falta de prática, passo dias me remoendo se deveria ou não ter sido sincero. Tendo a discordar de um número cada vez maior de pessoas quanto à qualidade de certas obras de arte, o que tem me graduado em "chatice". Claro, não nasci estranho. Também, claro, tenho me especializado.

Sinto, como dito no livro, que a sociedade abriga a minha estranheza, em vez de assimilar-me ou aniquilar-me, como soava acontecer no século passado e nos anteriores. E isso é bom. Sem querer reclamar de barriga cheia, só gostaria que isso fosse feito de maneira mais efetiva, que não fizesse parte do engodo. Queria que os estranhos também tivessem acesso ao poder e, por consequência, fossem capazes de mudar algumas coisas permanentemente.

Vivo, por fim, e com força, a impossibilidade de construir-me plenamente numa era em que o comum é ser incerto. Nunca tudo foi tão possível para um número representativo de pessoas! Nunca foi tudo tão temporário! Se Baudelaire estava certo, e um poeta deva traduzir na arte o seu tempo, nossos dias são capazes de em vinte anos, talvez menos, tornar obsoleto um bom poeta. Quantos planos as pessoas são capazes de fazer atualmente? O bom é não fazer planos? Por que você acredita nisso? Pensou sozinho? Bom, bom, continue assim.

Pelos meus cálculos, a última vez que costumávamos viver com tamanha incerteza data dos tempos anteriores à existência vigorosa de civilização. Como nossas necessidades eram mais imediatas (comer, transar etc.), lá se encontravam nossos desejos. Hoje precisamos de mais e nossas vontades migraram, igualando nossas possibilidades de frustração. A existência da sociedade entre antes e agora faz absolutamente toda a diferença e torna essa sensação bastante inédita em nossas concepções de nós mesmos.

Como alguns de meus átomos devem ter dito a um eventual filhote naqueles tempos: o importante agora é sobreviver. Estranhos, repito, o importante agora é sobreviver!

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