Nov 12, 2010

Da força das coisas

Como é ler mais de 700 poemas de autores diferentes? E, eventualmente, imaginar seus autores, ou, ao menos, o rosto que seus autores nos mostram naqueles versos? Quantas pessoas têm essa oportunidade? Por um instante pensei nessas perguntas, antes de começar o trabalho árduo, mas agradável, de ler e selecionar os poemas que estarão presentes nos ônibus e trens de Porto Alegre em 2011.

Recebi o montante de poemas na manhã do dia 29 de setembro, poemas esses que já haviam passado por uma seleção prévia quanto à formatação e ao número de versos, de acordo com o edital. Com a orientação de escolher em torno de cinquenta deles para uma reunião um mês depois, dividi a leitura em sessões diárias de uma ou duas horas quando fui selecionando grupos cada vez menores, até conseguir cinquenta e dois. Passado o prazo, na tarde desta segunda-feira, 25 de outubro, embora todos os cinco jurados (mais Andréia Laimer, Cristina Macedo, Lorenzo Ribas e Sidnei Chneider) estivéssemos com nossos poemas prediletos debaixo do braço (na verdade em pastas, mochilas, envelopes e caixas), nos dedicamos por mais de três horas e meia para chegar ao número exato de quarenta e oito poemas vencedores, a demonstrar, pelo tempo dedicado, que um bom poema é algo que está muito longe de ser consensual, mesmo entre pessoas do ramo.

Com a oportunidade de participar da seleção desta 19ª edição do “Poemas no Ônibus e no Trem” (dezenove anos da iniciativa!), muitas outras questões, além daquelas iniciais, e algumas hipóteses conviveram comigo pelo tempo da triagem. Primeira hipótese: Porto Alegre é a capital mais literária do país. Sinceramente não creio que outras capitais tenham o mesmo índice de participação popular e um concurso tão consistente e há tanto tempo! Primeira pergunta: mas como assim a literatura não tem mais a importância social que tinha? Diz isso para o cidadão que selecionou um poema seu, verificou as regras do concurso e enviou seu poema para participar do certame, diz isso pra ele. Ou como cogitou o professor Luís Augusto Fischer, e se esse cidadão comentou com mais cinco ou seis amigos que participaria? Teríamos cerca de quatro mil pessoas envolvidas direta ou indiretamente com o concurso. Segunda hipótese: o concurso diz muito sobre o gosto da maioria. Encontramos sonetos, redondilhas, poemas visuais, mas há uma expressiva maioria de poemas aos moldes do nosso Romantismo, o que não é demérito, mas deveria ser dado importante a ser quantificado e considerado por quem constitui nossos programas de ensino de literatura. Segunda pergunta: o crescimento constante da participação popular acompanha a taxa de crescimento da cidade ou lhe é superior, denotando um impacto visível do concurso na vida cultural de Porto Alegre?

Dos demais jurados, dos participantes, dos interessados no tema e dos leitores deste texto surgirão novas perguntas e hipóteses que testemunham sobre a força dessa iniciativa e sua importância. Como poeta mais ou menos reconhecido, e já preterido para uma edição anterior do mesmo concurso (com um poema hoje admirado, “as chuvas de porto alegre”), só tenho como desejar que a iniciativa dos “Poemas no Ônibus e no Trem” prossiga por muitos anos e lugares, a provar que ainda existem pessoas que corretamente acreditam na avidez da população pela poesia, pelo literário, pelo lírico.

5 comments:

Sidnei Schneider said...

Legal o registro, Guto. Foi mesmo: muita leitura individual e muita discussão coletiva. E, além de tudo, fraterna. Um prazer participar com vocês. (Ah, Schneider) Abração

Luiza Jardim said...

Até agora não conhecia essa iniciativa.
Evidente que colocar a poesia literalmente para rodar na ruas faz uma grande diferença no cotidiano.
Quem sabe o Rio vai aderir...
Adoraria ter dias com mais versos..

Bom, parabéns pelo trabalho!

Até.

andreiacarbona said...

Oh, Guto. Vi a coluna do Nelson Mota sobre Noel e não tive como não lembrar de você. Foi uma honra ser tua colega no juri do Poemas no Ônibus.Foi uma trabalheira gostosa pacas! Beijos!

valéria tarelho said...

Queridonis, passadinha mega rápida só para avisar que você está participando de um sorteio lá no textura.

Beijo,
v

valéria tarelho said...

Queridonis, passadinha mega rápida só para avisar que você está participando de um sorteio lá no textura.

Beijo,
v