May 10, 2010

O sonho límpido da língua

Participei há duas semanas de um programa de rádio (Dois Pontos) sobre meu novo livro, zero um, que será lançado no próximo mês, com lançamentos aqui em Porto Alegre e em Campinas (mas que já pode ser comprado pelo site da 7 Letras ou na Palavraria, em Porto Alegre). Das muitas perguntas de caráter mais ou menos amplo que respondi, uma ficou ecoando na minha cabeça e só agora eu consigo dar a resposta que queria ter dado no ar.

Assim me perguntou o professor Paulo Seben (aspas arrazoadas), notando que meus poemas variam muito sua forma gráfica no espaço da folha: "quais os critérios que você usa para alinhá-los no centro ou à esquerda?"

Na hora, eu respondi que se tratava de um recurso a mais, que eu tinha aprendido de um poeta jardineiro que eu conheci há tempos, e que depois tinha lido e estudado os concretistas, o que aumentou minha certeza na validade do recurso e na importância de entender o poema TAMBÉM como imagem.

Pois bem, a resposta que gostaria de ter dado é que a defesa de que o poema em si (por seu corpo) não pode constituir uma forma a ser significada vem da crença de que a poesia precisa ser veiculada pela linguagem material com o mínimo de perda possível, o que é claramente ingênuo. A linguagem, todos sabem, está longe de ser transparente e, com generosidade, pode ser considerada, no máximo, opaca.

Manter incólume a forma do poema parece dizer que o verdadeiro sentido segue detrás da linguagem e é ele que o leitor deve inferir em sua leitura. Errado! (Não gosto de ser tão dogmático, me desculpem) A linguagem, inclusive em seus caracteres físicos, constitui boa parte do sentido de um poema, aliás, de todos os sentidos oriundos da linguagem, na verdade. Se eu digo "mato", o leitor pensará na vegetação, no presente do verbo matar, nas formas figuradas como "matar o tempo", "matar aula" etc., mas também pensará nessa nasal interrompida pela oclusiva surda, como se dentro da palavra crescesse uma planta (olha o "t" aí de novo), como um arbusto no meio do mato. Pensará talvez que é uma palavra que demora a nascer, que passa um infinito ainda no meio dos lábios até sair e logo acaba. Creio que, por ser arbitrário, há muito de não arbitrário na escolha que as culturas deram para seus sígnos.

Não? Sim? Na dúvida, por achar que sou poeta e uso a língua como minha matéria de arte, preciso lidar com esse sentido oculto, que corre no nosso inconsciente linguístico para estacionar nalgum canto do verbo, para se atirar subitamente no abismo do nada. Nada? De alguma forma acho bonito esse jeito de matar o nada.

2 comments:

Celso Andrade said...

Bacana o texto

Anonymous said...

vamoooooo Gutinho!!!!
porra... é isso mesmo...

as vezes penso nisso... se não renego essa forma...
mas acho que aqueles meus versos curtinhos.. de uma palavra que parece sublinhada é minha maneira visual de escrever... sei lá...

peguei o meu na mão já... nasceu a cria!
e to esperando teu lançamento rapá!!


bj amigo!