Apr 14, 2009

O Trombone II




Seguindo as tentativas críticas inauguradas há alguns dias neste espaço, chamo a atenção para um grupo de escritores de conto que já há algum tempo se faz fortemente presente no contexto da Literatura Brasileira, mas só nas últimas duas décadas podemos delineá-los mais claramente. Trata-se do grupo (é ruim, anteponho, o nome que escolho) dos “professores universitários ↔ escritores”. Consoante à tendência estrangeira, cujo exemplo máximo talvez seja o sul-africano Coetzee, o ambiente universitário brasileiro tem abrigado – e/ou atraído – um número significativo de bons contistas, dos quais destaco dois nomes, por fortuidade de “ter caído nas mãos” (talvez não se considere tão fortuito, já que ambos foram meus professores em algum tempo da minha trajetória universitária).

A primeira, Vilma Arêas, chegou-me por seu livro, Trouxa Frouxa (2000), mas como escritora já consolidara uma trajetória literária significativa antes que eu a conhecesse literariamente, com uma voz própria bastante original e um vigor “prosaico” impressionante. Com um estilo que lembra a figura dos caleidoscópios, onde numerosos fractais se alternam, convidando o leitor a realizar o movimento todo-parte de maneira dinâmica, é a meu ver aquela que mais traduz a contemporaneidade pós-moderna em seu estilo. É tudo pleno e fragmentado em sua prosa, é tudo sutil e profundo. Os contos incorporam a tradição urbana da contística brasileira (Trevisan, Fonseca etc.), mas certamente a leva um passo adiante, em flerte constante com os tons de Guimarães Rosa e Clarice Lispector. No momento, a autora (informação privilegiada) dedica seu tempo à criação literária e só resta a nós, leitores, aguardar ansiosos para onde nos levarão as antenas dessa instigante contista.

O segundo, Luís Augusto Fischer, conheci aqui em Porto Alegre, pessoalmente e por meio do seu primeiro livro de contos, O Edifício do Lado da Sombra (1996). O que me chama a atenção (e eu a projeto para os leitores) é a manutenção de uma ironia muitíssima requintada, em outros tempos muito cara a escritores como Machado e Borges (não à toa, objetos de pesquisa do professor), como também um competente controle da forma do conto, muitas vezes duplicado em si mesmo, e da figura do narrador (nas múltiplas identidades que assume ao longo do livro). Preciso correr atrás das demais obras do escritor, mas sua estréia, já em idade madura, e os prêmios recém obtidos permitem que eu aposte muitas de minhas fichas em seu estilo clássico, mas nunca retrógrado.

Aliás, sobre essa distinção clássico x vanguarda, faço uma rápida colocação final. Normalmente as épocas literárias oscilam entre um e outro, talvez num movimento dialógico entre “ousadia” e “solidificação”, talvez, modernamente, assumindo uma acepção mais mercadológica como “novidade” e “linha de produção”. O que gostaria de notar é que nos dois autores abordados nesta resenha há um teor mais clássico de produção textual (visto que compreensíveis, bem escritos, mobilizadores evidentes da tradição etc.), mas também há inovação, nas características textuais de Arêas – uma linguagem onírica algumas vezes – ou nas paratextuais de Fischer – há um conto entre parênteses, por exemplo (mínimo). Seria uma conjunção da antiga espiral oscilante ou vivemos uma época “clássica” em que as ousadias precedentes já estão sendo solidificadas por nossos autores contemporâneos? Daqui a cinqüenta anos, havendo humanidade, um jovem crítico metido a besta estará pensando na mesma pergunta, automaticamente transposta para seu blog pessoal. E viva o último capítulo de Ulisses!

Cornetem!

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