Apr 6, 2009

Um conto impostor

Sigo na oficina de contos e cada vez mais tomo gosto pelo gênero (ainda labiríntico para mim). No entanto, ao menos, já me incomoda pouco expor-me aqui com alguma história que me tenha passado pela cabeça. Não que não seja mais um impostor, obviamente, mas ser de araque também pode trazer certo charme.
p.s.: posto também um chorinho dia 07 lá no Maná Zinabre. Aos que se animarem, é um espaço fabuloso e em muito me ultrapassa em qualidade e relevância.

Ecce homo

Não sei se por índole natural ou civilizada, os homens tendem a preferir verdades excludentes. É feito disto ou daquilo, é determinado ou casual, é preso ou livre o arbítrio, é abominável ou preferível, é culpado ou inocente. Visto nosso extenso percurso de enganos, está claro que esta não é a melhor forma de conhecermos bem qualquer coisa. Ao invés, proponho entendermos os corpos, físicos e abstratos, como uma relação dinâmica de forças opositoras, entrelaçadas a tal velocidade, diria Heisenberg, que apontar qualquer delas é perdê-las todas. Escolho e não escolho uma dessas relações para que entendamos melhor no que desperdiçamos agora o nosso tempo.

Os homens não mudam, dizem os provérbios, a História e a sabedoria popular. As crianças sim, ainda bichos, moldáveis, aptas, têm escolas, preceptores, e normalmente são educadas pela sociedade vigente a tornarem-se homens (sendo isso bom e ruim). Os homens mudam, eis a moeda corrente dos religiosos, psicanalistas e metafísicos em geral. Basta que um ser superior (Jeová, Tarô ou o Ego) intervenha com sua força descomunal para que drasticamente se altere a natureza do ser. Tomemos, então, todos nós como um único homem. Não o de Platão, porque distante, nem mesmo o de Marx. Um homem máximo, que nasceu com as comunidades mesopotâmicas e que vem se arrastando desde então, reunindo seus fragmentos, até finalmente se achar pleno e orgânico no começo deste século. Olhando no rosto desse Homem, olhando-o nas mãos, vemos sem dificuldades que ele muda. Não mais amaldiçoamos as adúlteras a descair a perna e a inchar o ventre. Também não consideramos todas as mulheres, de antemão, predispostas ao sexo. De mesmo ângulo e visada, vemo-nos ser exatamente o mesmo homem de outras eras, nos movimentos agrários contra Licinae Sextiae e nos segundos socos das brigas de bar, que revidam no direito o manchar das honras e dos olhos.

De que nos serve vermos simultaneamente os homens por dois lados? – objetarão os pragmáticos. Com o Homme au chapeau debaixo do braço, respondo que não nos serve mesmo para muita coisa, senão para estarmos um pouco mais distantes do erro certo. Forçarmos a mudança está previsto e será evitado. Adiarmos a mudança é impossível. Dentro do Homem somos minúsculos, células epiteliais, a princípio, que quanto mais relevantes, porventura, mais nos constituímos organismo adentro, aumentando-nos em importância e permanência. As duas únicas medidas cabíveis (e não excludentes) são: dedicarmos nossas vidas a salvar todos os homens e investirmos nosso tempo numa forma de matá-los. Nisso Jesus e Hitler são idênticos.

Para mim, que além de falar sozinho não possuo qualquer outra mania de grandeza, não se configura ainda de forma clara como devo empregar meu pensamento. Deitado a alguns metros e um par de paredes do quarto de meus pais, perco-me microscopicamente na metáfora do corpo. Se externos, de que nos vale o fôlego? Qual a verdadeira importância de outros como eu, pequenos e substituíveis? Se sabê-lo me torna profundo, eu não teria ascensão sobre aqueles que servem somente para me proteger do que vai fora? Meus pais, que dormem, o que diriam a respeito? Certamente sorririam ou negariam sem entendimento algum, como já fizeram em outras vezes. Nossas diferenças têm se tornado evidentes há alguns anos e não vejo como reatar certa ligação perdida que sinto já ter experimentado quando era bicho. Devo salvá-los, matá-los ou ambos? Tem alguma relevância qualquer um dos meus atos? Qualquer ato, em geral, possui algum sentido?

Durmo pensando que o melhor mesmo é que eu não me case. Se sucumbir, entretanto, que jamais tenha filhos. Caso por descuido venham os rebentos, fingir-me constantemente submisso até enfim conseguir tê-los todos fora de casa. Cada qual que cuide de sua natureza.

1 comment:

Anonymous said...

Fala, mano véio!

E a natureza q se cuide.... hehehe

tirei aquele TUA do poema
afinou a corda

valeu!!!

bração!