Mar 31, 2008

Um novo título

Para desanuviar um pouco o desabafo da última postagem, que encontrou polifania nas palavras de amigos generosos, comecei, finalmente, a idealizar meu próximo livro de poesia. Assumindo de vez a roupagem de pária, proposta pelo poeta, pretendo ainda menos conceder ao leitor ou à tradição poética qualquer escusa de se mergulharem inteiros nas possibilidades do poema. Bom, esta é a parte idealizada do livro, muito possivelmente a páginas e páginas de distância dos resultados obtidos. Muita poesia, graça e cores a todos.

Modernidade

sá-carneiro suicidou-se
por não-se-o por
pessoa também teria se matado

Mar 29, 2008

Uma crônica de saudades

Antes da crônica em si, gostaria de agracer muito os comentários a respeito do conto passado. Estímulos, acertos, leituras. Tudo perfeito para meu desenvolvimento aprendiz.

A vida é uma sucessão intermitente de encontros fortuitos. Assim, desde os nossos primeiros anos, vamos encontrando pessoas, coisas, lugares, sensações e pensamentos. Muitos destes nos acompanharão por muito tempo. Outros virão de relance e, de súbito, se esmaecerão junto ao corpo, deixando-se no breve. Nosso espírito, cobiçoso em reunir tudo o que pode em torno de si, esforça-se para se recordar ao máximo de cada estímulo e, ao fruto deste esforço, damos o nome de memória.
Aí é que está a saudade. Saudade é a angústia pela impossibilidade imediata de trazermos ao presente, desta espécie de relicário construído por nosso espírito, aquilo do qual não somos capazes de prescindir. Tanto é assim, que ela só dura enquanto durar essa impossibilidade. Nas vésperas de se reencontrar o elemento saudoso, os demais sentimentos, geralmente eufóricos, tomam o lugar da saudade, mesmo que igualmente nos desatrelem o peito. Em casos crônicos, torna-se possível sentirmos, até mesmo, imensas saudades assim que nos despedimos do ente saudoso, antevendo a angústia que nos importunará até o longínquo reencontro.
Há uma e somente uma forma de lidar com este sentimento traiçoeiro. Palavra de viajante que mais ano, menos ano, desloca-se por grandes espaços de terras, despedindo-se de fontes generosas de saudades. É necessário que busquemos, aos primeiros sinais do importuno, um número considerável de novas pessoas e coisas, lugares e pensamentos inéditos, sensações recém saídas do forno, para que possamos entulhar o cômodo tão valorizado por nosso espírito. Saudades definitivamente só se matam afogadas.
Obviamente, após algum tempo, o depósito de nossa memória será reorganizado e nos será possível, e obrigatório, voltar a sentir saudades dos entes sublimados, mas estas serão brandas e virão em lufadas aparentemente inexplicáveis de suas relações atuais. Também obviamente, você estará condenado a cada vez mais aumentar o âmbito em que agem suas saudades e pode acabar, infelizmente, sufocando a si mesmo na impossibilidade de reconstruir-se em cada relação que abandonou ao longo do tempo.
Bom, já que é impossível nos livrarmos de tais destemperos, não convém, assim, revelarmos todo o seu mecanismo e, acreditem, há sentimentos muito mais traiçoeiros e inevitavelmente catastróficos. Deviam agradecer por eu não ter escrito estas linhas sobre o amor.

Mar 25, 2008

Um conto póstumo de Páscoa


De dias muito cansados, posto um pequeno conto que vai participar de um concurso essa semana. O sorvete é um prato que se come frio... Por que eu disse isso? Vai saber!?

O homem que procurava Jesus Cristo

Há vinte gerações, a família Hairiah consome grande parte de suas posses e de seus filhos em busca de um retrato. Antes que os mais jovens me acusem de incoerência tácita, não é especificamente um retrato como atualmente o entendemos, mas uma pintura, feita aproximadamente no ano trinta da era cristã. É certo que valeria pouco se considerássemos sua qualidade artística (caso haja alguma possibilidade de mensurar o valor artístico inerente às obras de arte), contudo, além da antiguidade, generosa no valor que empresta a todas as coisas, menos às pessoas, Aquele que foi representado na fotografia faz com que seja única dentre tudo já feito em qualquer século de nossa história. A pintura em questão trazia o semblante de Deus.
Desde que um antepassado encontrara, na eterna Constantinopla, um eremita de posse de um lenho da Cruz Sagrada, que disse haver tal pintura, a responsabilidade da procura coube sempre ao filho mais novo do clã. Foi decidido dessa forma, brilhantemente, pois cada vez, a partir do segundo filho (o primeiro se responsabilizava pela logística da busca), que um dos homens da família atingia a idade do Voto, estipulada em 12 anos, tinha por obrigação dedicar todo o seu tempo e educação em busca da Pintura Sagrada. Tal artifício fazia com que muitos homens dedicassem somente alguns anos ao intento e, portanto, o faziam com afinco e dedicadamente, à exceção do último filho, em que recaíam todas as obrigações somadas e tornava-se, simetricamente, relapso e aborrecido. Mantinham, ainda, uma relação onde todos eram considerados aparentados ao homem mais velho e vivo do clã, não seguindo uma linha direta de primogenitura restrita a pai, mãe e filhos.
É bom saber ainda que os Hairiah possuíam somente três indícios (a Trindade) sobre a Obra Máxima: ter sido pintada na ocasião do primeiro milagre de Jesus (talvez seja herético dizer que Ele recusara a inquisição inicial de sua mãe em ajudar com problemas da festa por estar posando, ao lado de dois amigos, futuros apóstolos); estar na casa de uma família de nome Raihiar, uma espécie de anagrama que sempre fomentou a predestinação, segundo os teóricos da família; e que a residência permanente do quadro se encontrava na periferia de Jerusalém.

Miro Hairiah havia procurado todo o dia pela casa com o tapete grená em frente à porta de entrada, última pista que descobrira a respeito do paradeiro do retrato. Por um descuido imperdoável (digo assim porque certamente seria censurado pelo primogênito assim que retornasse a Londres) e também pela pressa, esquecera de fazer reserva em um hotel qualquer da cidade. Poder-se-ia pensar que um sobrenome que visitasse tanto Jerusalém contasse com benevolência da malha hoteleira e facilmente conseguisse a chance de um pernoite agradável, no entanto, os hábitos levemente exóticos da família (empecilhos de sua estadia em qualquer lugar por uma segunda vez) e os últimos acontecimentos de teor político, abarrotando todos os hotéis de jornalistas (profissionais curiosos), fizeram de Jerusalém um dos lugares menos agradáveis da Terra para se passar a noite. Resolveu, então, perambular pela cidade, refletindo sobre os indícios de onde estaria a Obra, pensando em tudo que essa busca imotivada o fizera perder nos últimos onze anos e bebendo um pouco dos deliciosos vinhos e aguardentes servidos nos bares do centro da Cidade Sagrada.
Já tarde da noite, notava-se um homem, certamente estrangeiro, ainda no centro, apoiando-se nas paredes das casas, uma após a outra, com o pouco do que lhe restava de equilíbrio. Era ele, o caçula Hairiah. Não pensava em mais nada (mas, se pensasse, nunca se lembraria do assunto, então não pensava), tentando somente dar mais um passo, mais um passo, sem qualquer sentido aparente, fiel às ordens confusas que sua mente sóbria lhe dera uma ou duas horas atrás. Tamanho o nível de embriaguez do homem, não notou quando seu abraço ébrio foi derrubar uma criança que acabava de abrir a porta, entediados, para bisbilhotar o que acontecia à rua. Miro e o pequeno Ghazan Raihiar se misturando para dentro da casa simples, de tábua corrida e tapete grená na porta de entrada.
As cidades sempre crescem de dentro para fora com o passar do tempo e dão-nos a oportunidade do espio de fora para dentro.

“Tudo bem, senhor?”, indagou, em árabe, a voz infantil, mas incrivelmente resoluta, de Ghazan. “Acho que o senhor se alegrou demais com a noite quente do Mediterrâneo. Permaneça aqui, enquanto vou buscar o chá que já ferve”. Miro, com muito custo, ergueu um pouco o tronco e pôs-se sentado naquele sofá de remendos à mostra. Tentou momentaneamente se lembrar, “inútil”, estava ainda com a memória aos pedaços, aos cubos. Dos retalhos recuperados, nenhum se reportava a como fora parar dentro daquela casa. “Meus pertences!”, pensou, apalpando-se, no exato momento em que Ghazan retornava com a xícara fumegante. “As bagagens estão no quarto, senhor. Permiti-me hospedá-lo por esta noite. Não toquei em nada nem abri qualquer das malas, asseguro-lhe”. Miro encantou-se com o olhar e a presteza do garoto e envergonhou-se muito de sua desconfiança inicial, mais, de sua vida, após conversar uns vinte minutos com ele, enquanto tomava o chá e antes de pegar no sono.
O que Ghazan contou a Miro (narro enquanto este dorme no sofá e o pequeno olha da janela o parco movimento nas ruas): seu nome, já o disse, que não freqüentara a escola muito tempo, mas se achava bastante culto para um garoto de sua idade, graças aos livros antigos que sua família guardava no porão (Miro demonstrou algum interesse), sua idade, 14 anos, era o caçula de sua família (os dois sorriram, o menino, cordial e ingenuamente), que quase sempre dormia tarde e acordava pouco antes do almoço, a razão de sua solidão, sua família havia se mudado para a França, mas ele deveria permanecer ali esperando uma visita que não tardava, segundo seu pai. Neste instante Miro adormeceu e não houve mais o que contarem um ao outro.

O viajante acordou bem mais disposto, trazido do sono por um cheiro de pão preparado pelo menino. Levantou-se, levemente autômato, e seguiu o aroma até um cômodo contíguo, onde viu se tratar da cozinha. Lá estava, à beira de um forno de barro, o corpanzil já forte de Ghazan. “Bom dia, senhor, vejo que está bem melhor. Costumo adiar, sempre em uma, minhas refeições. Por isso, embora seja por volta do meio-dia, gostaria de convidá-lo para um leve desjejum”. “Meio-dia! O avião parte em três horas. E vai saber como está o aeroporto desta cidade infernal!”, isso em silêncio, “Me desculpe, garoto, tenho que me apressar. Volto em pouco para Londres”. O olhar de Ghazan se desvaneceu enternecidamente desolado, enquanto Miro se escondia atrás de um corpulento pedaço de pão, ainda quente. “Suas malas estão atrás do sofá, depositei-as ontem mesmo, caso precisasse de algo durante a noite”. Saindo do cômodo, “Muito obrigado por tudo, Ghazan, espero encontrá-lo outras vezes mais”.
Quase simultaneamente, Ghazan, que se dirigia à sala, ouviu o barulho de um baque. Correndo, avistou seu hóspede de joelhos, próximo às malas, em frente a um antigo quadro da família. Primeiro, Miro balbuciou palavras desconexas e, após um copo Providencial de água, gaguejou “De quem é esse quadro?”, “Não sei, sempre esteve aí, desde que sou criança, no mesmo lugar. Meu pai diz que é a única coisa irremovível desta casa, talvez do mundo”. Ria como criança. “O quadro! O quadro! Quem está nele?”, “Jesus, ora, por quê?” Desdenhoso. Em prantos! “Mas qual dos três é Jesus, qual dos três homens?”, “Acho que isso nunca ninguém soube... Diga seu nome completo, senhor, por gentileza.” Recobrando-se da surpresa. “O meu nome... é Miro Hairiah!”, “Hairiah?! Então o quadro está à venda...”
Sem nenhuma forma de identificar o rosto de Deus, Miro olhava para o quadro onde três homens mulatos de cabelos crespos posavam descompromissadamente. Nenhum deles trazia uma auréola. Nenhum deles trazia um olhar enigmático. Poder-se-ia duvidar do que ocupava o centro, mas a humildade cristã seria suficiente para fazer com que Jesus deixasse o centro a um de Seus amigos. Quem sabe o mais velho, mas a palavra grega para “primogênito” não tinha a exatidão grata de seu inglês, além do quê, até aquele menino aparentava mais idade do que realmente possuía. Pensou em rezar e pedir revelação, mas não sabia das vontades de Deus, nem em desvendar a verdadeira face de Seu Filho, nem em proporcionar uma prova irrefutável de Sua existência. Queria sair correndo, gritar, dissipar sua fé, profanar sua família e a do menino, por menosprezar tanto o destino que as unia, assim, inevitavelmente, quem sabe, tudo três vezes. Entretanto, chorou, como Jesus, Pedro e tantos outros. Chorou. O menino, pacientemente, sentou-se a seu lado e esperou, antevendo que todo o desespero se dissiparia em alguns minutos.

Novamente racional, Miro Hairiah comprou o quadro, após muitas negociações (aliás, a barganha fazia parte dos aprendizados de ambas as famílias envolvidas à relíquia), saiu da casa, procurou um beco, rompeu a moldura, escolheu aleatoriamente um dos três, queimou os outros com um isqueiro e seis semanas mais tarde rejubilou-se, junto a toda a família, pelo fim do maior martírio já visto pela história da cristandade, não obstante o estado lastimável da pintura quando encontrada. Ao fim da reunião, todos oraram calorosamente dando graças. Miro sinceramente orou arrependido, seguro de que desta forma seria perdoado pelo Pai.

Mar 21, 2008

Ladainha...

Um caro recurso à modernidade, que não canso de utilizar nos meus escritos, é a sugestão. Claro que se formos verdadeiramente cuidadosos podemos encontrar em Gôngora, por exemplo, metáforas tão sugestivas que estremeceriam o reducionismo conceitual de qualquer teórico de respeito. Entretanto, não é a essa sugestão que me refiro. Refiro-me à possibilidade (que ganha corpo no Simbolismo) de desenvolver no e pelo poema duas ou mais realidades suficientemente acabadas e distintas, confiando o caminho interpretativo às sensações do leitor no momento de leitura. A tão dita ligação com a música, ensinada com desleixo nas escolas, vem da possiblidade do som ter essa qualidade particular de soar diferentemente a cada indivíduo, enquanto a palavra necessitaria da mediação do poeta. Ladainhas!


Carolinas

nunca nenhum artista
foi capaz
de dar contorno às formas femininas

mona lisa por exemplo bovary
carolinas

invariavelmente
nos desenhos menos vagos
há mais sugestão de traço
do que traço

errando o que se movimenta
sempre

Mar 18, 2008

Homenagem a "toi"


Hoje é só um poema, fraquinho, coitado, pedinte... Não merece ser anotado, lido, sorrido ou comentado. É quase prosa de tão tímido. É quase um mimo, mas não é. É só um poema coitado...

Estátuas de barro

De todas que me foderam,
Mantenho estátuas de barro
Pras horas em que relembro.
Nelas assopro com força
A vida que me roubaram.

Seus olhos duros me encaram,
Erguem-se nos calcanhares,
Vão para as missas, pros bares,
Dançam lívidas com todos,
Para os mais íntimos, cantam.

Em pouco tempo, se ausentam,
Rápidas se desencantam.
Eu, como bom deus humano,
Sopro a seguinte, retorno:
Tal não me fode... e me engano.


p.s.: quadro de Felipe Ehrenberg.

Mar 16, 2008

O fim da arte

Dizem que, certa vez, perguntado por um repórter sobre o que procurava com sua arte, Picasso respondeu: "Eu não procuro, eu acho". Anedotas à parte, talvez a frase do pintor espanhol venha totalmente a calhar nesta primeira década do século XXI, quando, ao fazer arte, se prega que devemos passar grande parte dela explicando em que estrutura se erige. Para mim, partidário da opinião de Picasso, a arte é o fim, não o percurso. A máquina, não as roldanas e as correntes. É claro que podemos puxar as correntes e dizer "olha aqui, é isso, tá vendo! Desiludam-se" ou caminhar vagarosamente contando "um, dois, três...", mas de toda forma é esse o resultado sensitivo realizado, não deixando de considerarmos "fim" o recurso metalingüístico.

Só um desabafo.

O que é natural a um corpo

as horas são profundas
o tempo é raso
a vida é um corpo que emerge

Mar 15, 2008

Três pérolas


Como ando sem amigos nesta recém descoberta cidade, continuo meu périplo artístico da forma mais tenaz que consigo. Ontem à noite, por exemplo, devo ter visto o melhor show do ano (se não for, o ano promete!). Fernanda Takai, no seu primeiro disco solo "Onde brilhem os olhos", sai em turnê com um show maravilhoso! Além da simpatia, no palco e pessoalmente, que é sempre o ás de espadas da intérprete, os arranjos e o perfeccionismo dos músicos fazem com que seja cerca de uma hora e meia de marvilhosas sensações. Palmas de pé para as versões de "Diz que fui por aí" e pela revitalização (concepção para mim, pois detesto a música) de "Com açúcar, com afeto". A modernização que o Pato Fu tanto gosta de exercer cai como um chapéu no repertório que Fernanda toma emprestado de Nara Leão. Vale muitíssimo a pena!
Hoje à tarde, outro exemplo, vi o agraciado pelo Oscar "Juno". Obviamente não é Buñuel, Truffaut, nem mesmo os Cohen, mas é um dos filmes mais bem feitos dos últimos tempos (além de apontar uma tendência de premiação da Academia em "roteiro original"). A personagem que dá seu nome ao título, seu pai, a melhor amiga, o pai da criança... várias explosões de carima! Se assomarmos a isso alguns diálogos encantadores, pronto, já justifica ficarmos duas horas ao lado de adolescentes e demais, que sempre riem nos momentos menos engraçados e silenciam-se enquanto gargalho na cadeira.

Acabo de ver que novamente deixo uma postagem de crítica, não muito bem quista pela meia meia dúzia de pessoas que me dão o prazer de sua visita... Sempre sou a favor do lugar da qualidade pelo da quantidade! Então, desculpo-me imensamente e espero que saibam não ser porque não tenho criado. Aliás, após retomar meu regime de café e pílulas, o que não me tem faltado é "word", "open" e "new". De toda forma, matenho este espaço como a forma que alguns comem laranja, virando-o do avesso.

p.s.: como sempre, vale a imagem! Sérgio Lucena...
p.s. pro Issac: poeta, www.concursoliterario.com.br, lá achas as diretrizes...

Mar 13, 2008

Poema ou axioma

Aproveitando que a net aqui do hotel está momentaneamente funcionando e de graça, deixo um poeminha do meu último dia em transe dormonídico.

Tapete

porque o tempo é infinito
sabemos sempre a menor parte

Mar 12, 2008

A usina do gasômetro


Hoje conheci o trabalho de duas artistas: Swane Silva, fotógrafa, e Marina Polidoro, artista plástica. Da primeira, fica uma tentiva bem intecionada, mas tremulante, de erguer algo signitifcativo sobre um equívoco sensitivo e uma lógica frouxa pseudo aristotélica, salvo uma única foto ou conjunto. Da segunda, bem... dizem que a boa arte dá vontade de roubar. Acabo de inventar isso, na verdade, mas tive vontades de levar um quadro pra casa, queimá-los, enfiá-los a todo custo dentro de um turíbulo, qualquer coisa, só não tive vontade de ir correndo pra obra seguinte. Reproduzo aqui umas das obras, mas certamente não transimitirá a textura delicadíssima a que tive contato, como também não é de longe a melhor obra que vi na exposição. Para quem quer boa foto, recomendo o link ao lado de "pelavidafora", de uma amiga com caríssimos olhos.

É a forma como ando gastanto meu tempo de descanso por aqui.

p.s.: agradeço muito todos os comentários! Sempre apropriados e muito bem-vindos!

Mar 10, 2008

Primeira postagem em Poa

Não me permito opinar já sobre esta viagem, é cedo demais e certamente cometeria precipitações generosas, rigorosas ou ambas. Uma descoberta é a razão desse apelido "Poa" tão inusitado: a abreviatura da cidade para as companhias aéreas. Talvez porque de avião seja a única forma de se chegar aqui... Fica um poema duro, de lirismo, feitura e leitura.

A medida do caminho

na casa imensa há vastos corredores
em todos eles rostos se insinuam
se inclino o corpo curioso sobre eles
vão-se deixando pêlos olhos fios

ora a tinta das paredes se transforma
ora altera-se o rosto que a existe
a ponto de não mais saber se volto
ou se sigo como antes para o fim

pensar que tudo começou num ponto
e num único corredor embora infindo
nem mesmo a suspeita bifurcada
agia hipoteticamente no percurso

era o passo do ermo o vago do corpo
se mexendo o mínimo eco abafado
pela impossibilidade da distância
o inexorável ir para saber-nos onde

cogitar hoje o tanto que se expande
é inviável viver com as aparições
torna-se condição madura do andarilho
e seu pano frágil preso ao nó com força

basta deitar-me na única certeza
que eu sou a medida do caminho

Mar 7, 2008

Um contraponto

Lendo uma entrevista a um jovem e talentoso artista plástico, Sérgio Lucena, em que este disserta sobre suas concepções de arte, relação com o simbólico, a Graça etc., tive o exato contraponto à minha postagem anterior. Contraponto aqui entendido mais próximo ao significado que o dá a música do que a retórica, ou seja, aquilo que, em certa oposição à voz principal, constrói com ela a unidade total de sentido de uma música em específico. Lucena afirma: "A arte e o Amor, as únicas coisas realmente sólidas, concretas e factíveis. O mais, para mim, é pura fantasia." (Revista Agulha, número 61, janeiro/fevereiro de 2008)Obviamente eu havia me esquecido de inserir a arte como centro irradiador de importância das coisas, embora se desenvolvendo diacronicamente de maneira distinta a do amor. Enquanto o tempo deste é irrecuperável, àquela, o tempo passa ao largo. Para a arte, o tempo não somente é recuperável, como quase desimportante. Entra no grupo do "mais" que o artista plástico aponta como "fantasias". Nunca tiveram a sensação de que a passagem linear do tempo foi criada somente para facilitar nossa relação com a consciência? Representar ou dar linguagem a essa sensação talvez seja a definição de arte!

Mar 4, 2008

Vinícius e o tempo do amor

Em menos de uma semana, mudo-me para Porto Alegre. Novo canto, novo clima, novos rostos, novo tudo. Deixo, para quem sentir, minha coleção de amores. Não foram muitos nem poucos, mas "razoáveis" não é um adjetivo que lhes cairia bem. Digo então que foram um pouco além da medida, na borda da espuma! Neste tempo, pois, que ando a ler Vinícius, algumas das verdades da alma se vestem das cores mais festivas. "O tempo do amor é que é irrecuperável". Exato! Absolutamente exato! Mesmo que ainda nos enganemos que existam outras coisas (sou partidário de que tudo é adorno do amor), por controlarmos pouco o que nos ocorre, somente o amor deveria tirar o sono das gentes. Todo o resto é tão simples e maleável, que, independentemente das condições impostas pelo acaso, sempre o sabemos colocar como se ali fosse feito para ser, ou como se dali lhe tivessem tirado a forma. Salve o poetinha, que, mesmo não sendo poeta, sabia das coisas!

Mar 3, 2008

Monet


O silêncio normalmente é um grande indício de desacerto. Para mim, indiscutivelmente. O que, com certeza, é discutível é por que se diz "acerto" tal ou qual coisa. Tomo o "acerto" - e sua contraparte, obviamente - como uma ilha de sentido dentro do resto. O ato é composto de ambos simultaneamente em todas as suas manifestações! Mesmo o ato mais descabido pode soar acerto a alguém, enquanto aquilo que da maioria brotam aplausos, certamente desfalece num rosto enviesado lábios tristes...

Acerto e desacerto são os apoios da ponte. Não de qualquer ponte, desta. Do lado que se está vindo. Agora dizer qual é um, qual é outro, seria injustiça demais da minha parte...