Dec 21, 2008

Espaço a quem merece espaço

Como indicado por meu amigo e companheiro das letras, Heyk Pimenta, reproduzo aqui um texto do parceiro para que um maior número de pessoas se informe sobre o assunto, reflita, opine e reaja. Coisas graves devem ser tratada com gravidade! Muita arte a todos!

Texto publicado no blog de Heyk Pimenta: http://heykpimenta.blogspot.com

Para entender do que se trata a história leiam antes: www.oglobo.com/especiais/chatosporoficio/


Este texto será lido por amigos, colunistas e jornalistas da grande mídia e alternativa, artistas, movimentadores. Alguns me conhecem um tanto. Meu nome é Heyk, sou poeta, editor assistente, universitário, casado, migrante.
Ontem, quinta feira, dia 18 de dezembro de 2008, o jornal O Globo levou em caderno especial elaborado pelo programa de estágio do jornal a reportagem com o título: Chatos por ofício. Nela vendedores de cerveja na praia, agenciadores de empréstimo das praças, sambistas mambembes, chamadores de restaurante, artistas de rua, camelôs de ônibus foram postos homogeneizadamente como incômodo para a sociedade, os tais "chatos por ofício", como aponta o título.

Venho particularmente me solidarizar com essas categorias profissionais (e que fique claro a legitimidade profissional de todas essas práticas) citadas ontem pelos estagiários d'O Globo. E venho principalmente colocar em questão e em xeque a finalidade e estrutura dessa reportagem, seus ideais de sociedade e seu teor descriminalizante, se não criminalizante, dos profissionais de que trataram.
Apontando esses trabalhadores como tediantes, irritantes e por vezes mentirosos e quase sempre pedintes insistentes, o jornal se detém em tirar da sociedade o problema de um mercado de trabalho inflado e carniceiro para atribuir a esses trabalhadores (efeitos dessa lógica), a culpa por sua posição. A reportagem trata a questão como um problema moral (de índole), quando ele o é no mínimo econômico, e sim político, social, ideológico no caso a que irei me ater aqui.

Meus primeiros poemas datam de 1995, e desde então me dedico mais ou menos à poesia, sempre tendo-a como estandarte e totem. E foi quando conheci um dos cidadãos de quem o caderno especial tratou que tive certeza e argumentos internos para ser também um poeta de rua.
Falo de Léo Xisto, guitarrista e compositor da banda Na sala do sino, um dos que me mostraram que levar literatura de preço acessível a lugares públicos travava duas batalhas indispensáveis para nós: popularização da poesia e estar disposto a colocar em debate onde fosse a importância da arte, como militância e como sim motor de uma revolução lúdica - de uma mudança de paradigma através do prazer e jogo, da criação.
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Ao lado de Léo Xisto, estão outros, como Azulay (seu parceiro musical na banda e nos ônibus em que trabalham tocando músicas próprias e outras consagradas do repertório nacional), professor de bateria e percussionista do Cordão do bola preta; Guila Sarmento, exímio poeta de rua; Joannes Jesus, a cinco anos tocando violão pela cidade, compositor e músico - isso no contexto carioca e para ser muito breve, posto que só os poetas de rua na cidade passam dos vinte. Em São Paulo a poesia Maloqueirista - Caco Pontes, Berimba de Jesus, Pedro Tostes - dá o mesmo recado: literatura popular e debate aberto com quem passa por perto.

Esses artistas, eu e muitos outros, para além de seu papel artístico-político cumpre suas demandas financeiras com essa atividade. Vendem seu trabalho e pagam suas contas. E esses mesmos artistas como representantes do gênero artista de rua, entraram na matéria de O Globo como inconvenientes, como pedintes, como desqualificados (a matéria refere-se ao repertório restrito dos músicos que citei, sendo que esses têm set list de duas horas de músicas autorais, como a própria repórter o viu num show da banda que acompanhou).

E para além da visão de mundo que o jornal sustenta tão bem há tanto tempo (uma visão onde ou o pobre é um ser bom e desprovido de inteligência ou um criminoso), levanto ainda uma questão ética: a repórter que os entrevistou, entrevistou os músicos da banda Na sala do sino, os disse para fazer a reportagem que essa seria sobre movimento artístico, para alguns dias depois sem avisá-los do conteúdo que tomou o caderno especial, publicá-la com uma visão pejorativa da arte de rua, com uma defesa da lógica do conforto contra os que atrapalham a caminhada do cidadão pela cidade.

Mas a reportagem termina bem e a isso dou os parabéns. No seu desfecho põe como oposição a esses profissionais e exemplo de conduta correta ninguém mais ninguém menos que Antonio Carlos Magalhães Neto, o respeitoso coronelzinho do DEM ou seria do Demo. Mostra o parlamentar como um homem que reclama quando se sente incomodado, mas não reclama em qualquer lugar, mas sim o faz no parlamento, que seria segundo o caderno o lugar certo para se esbravejar. Em suma: digo que o desfecho é bom e é mesmo ótimo, porque o fato de estarmos todos nós, os camelôs da arte ou da arte de se virar nessa terra de ninguém que é o Rio de Janeiro, em oposição a ACM Neto já é motivo para grande alegria.
E novamente, O Globo deu show de conservadorismo, de ética duvidosa e acobertador dos verdadeiros problemas nacionais.

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Heyk Pimenta
http://heykpimenta.blogspot.com

Dec 18, 2008

Versículos



a biblioteca

um livro termina onde começa
outro
todos
onde começa a vida

Dec 15, 2008

Inspirado nos outros


Inspirado no blog dos amigos, abro a semana com um pequeno conto da época em que ainda os escrevia. Este é a tradução do sonho de uma amiga, confidenciado. Espero ter ressimbolizado a experiência e não simplesmente transposto a ambiência onírica.

Dopplegänger

E tem aquela da atriz, revelação na época das novelas de rádio, hoje beldade balzaquiana, que de tempos em tempos sentava-se em frente ao espelho do último cômodo de sua casa de veraneio, retirava o cachecol e contava sua história à única testemunha que se dignava a ouvi-la. Após alguns dias de relato memorialista (a atriz ia se esquecendo ao longo da prosa), deixava-se atenuar lentamente e sucumbia para dar lugar à sua imagem. Esta, erguendo-se da cadeira, tomava o cachecol (vanitas vanitatum et omnia vanita) e sentia-se renovada por um tempo, quanto tempo?, de posse da felicidade que há em ser a única vivente do universo, além de Deus, obviamente, a não ser criada ex nihilo.

Dec 11, 2008

É ou não é meu?

O poema que segue nasceu de uma angústia que sempre tenho ao ver imagens antigas de pessoas. O ar de morte que as acompanha normalmente me deprime muito. Comecei a fazer o poema, a escolher as palavras, as imagens, então surgiu esse Cemitério da Glória para me tirar a paz. Realmente não me lembrava do lugar e tive que pesquisar na Internet para saber que é um grande cemitério no centro das terras da minha vida, perto do lugar onde morei por anos. Brinco: é meu ou não é meu este poema?

o cemitério da glória

o cinema são fotos piscadas
rapidamente
do toque da pálbebra
na pálpebra adjacente
ao desenlace
há toda uma vida de escuro
das fotos nunca tiradas

hoje é dia de memória no cineminha do centro

enquanto os atores vivos ganham cores
nas poltronas
com imagens do passado
bicolores
choro a imensa fila
de caixões metálicos
que aos poucos encheu o cemitério da Glória

Dec 7, 2008

Boas Novas

Longe das Boas Novas bíblicas, as minhas são miúdas. Visto, contudo, que atuam num contexto mais particular, logo se ombreiam com aquelas. Meu primeiro filme (em parceria com um amigo) passou no Festival de Tiradentes, eu (com múltiplas parcerias) passei no mestrado em Literatura da UFRGS, também terminei (com outro amigo) minha primeira peça de teatro. Sou obviamente um dependente. Tudo sem estrelas temporãs ou visitas ilustres, mas como é bom para nos alimentar a alma por alguns dias! Segue um poema que, espero, sirva a todos de boas novas.
p.s.: ainda lamento perder a forma original do poema.

girassol

é
ontem foi dia da pior espécie
começou lento
como arrastar para longe
o longo das horas de sol
puxado pelo deus dos dias
não se abriu para ser
flor preguiçosa
e a noite despertou suas mariposas
já ao fim da tarde

nas anti-horas do escuro
tempo da memória
a luz tímida aberta pelos olhos-pétalas
desdobrou o dia
feito imenso
sem cores vivas para sobrar adiante
o sono natural deitou o amor no pêndulo
por sorte
depois amanhã será ontem

Dec 3, 2008

Crise do Realismo?


Uma imagem bastante utilizada para estes tempos, sobre Literatura, fala de um espelho estilhaçado, só capaz de acessar o real - nunca em completude - pelo que refletem seus fragmentos. Não sei, sei pouco. Respondo num poema de algum tempo adiantes, a única maneira que me cabe responder. Cabe?

mirar-se

há um espelho colocado fora
que anda comigo
nele me vejo continuamente

às vezes reflete o desconhecido
mínimo e profundo
que reconheço

mas normalmente em seu corpo
deita aquilo que costumo
ter por mim

a aparência que nos dias
aprendi a enganar-me
os sonhos laminados

a inevitável grandeza
que me espera
e foge do acaso

o espelho por outro lado
me vê com as mesmas ressalvas
pergunta-se

o quanto de mim
ele pode dizer de si mesmo
qual a parte da pele

em que ele não se reconhece
a minha face o reflete
escreve o mesmo poema