Sep 29, 2008
Versos abandonados
Estou lendo as "Memórias Póstumas" para a prova de mestrado. Como é soberbo nosso velho bruxo! Sempre me reencanto por tuas narrativas, teu estilo, teu humor peculiar. Para mim, não deve nada aos grandes da prosa mundial de qualquer tempo. Em sua época então! Só não se entedia no bar com Dostoiévski... Todos os outros, incluo Flaubert, estariam na mesa ao lado comendo amendoins. Falando nisso (provocativamente), em vultos, não em amendoins, é até perdoável que os poetas brasileiros sejamos hesitantes, incipientes, opacos e até menores. Nunca tivemos um Machado para apreciar num fim de tarde, com o Sol descendo às suas costas. Prosadores medíocres, no entanto, no Brasil, são imperdoáveis! Ou como afirma Schopenhauer, se os encontramos nas estantes das livrarias, são certamente beneficiários de algum conluio de editores dos mais desonestos. Depois do argumento, deixo alguns dos meus versinhos, desde já perdoados de sua evidente frouxidão. Não tiveram pai que o cuidassem com zelo e disciplina.
Nos trilhos
é tanta certeza que o grande corpo de ferro estará sobre a linha
que até se forjou um verbo
− descarrilha −
para falar do imprevisto
calmos tempos aqueles
o tempo dos feridos
quando se reuniam
pelos descarilhamentos
hoje que os carros têm sob si somente intravasáveis culpas de ferro
e escapamentos
− onde foram parar os corpos dos bondes −
as manhãs se enfileiram
duras sob a faísca
as sombras das máquinas aceleradas causam a sensação dos dias
estáticos um ao lado do outro
jamais nos surpreendemos
finitos esperamos morrer em nossas linhas
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8 comments:
(ops! corrigindo:)
Pois eu gostei muito, Guto!
Gostei da frouxidão e da indisciplina, que fazem jus a descarrilhamentos.
é bem verdade que me desagradou "intravasáveis", mas bem pouco diante de achados poéticos como
"as manhãs se enfileiram
duras sob a faísca"
Só não entendo (freqüentemente "não concordo") com tuas opções na quebra dos versos. P. ex, pq não:
as sombras das máquinas aceleradas
causam a sensação dos dias estáticos
um ao lado do outro
Um dia tu me explica?
bj, f
oi Flá, obrigado pelos elogios e pelas críticas, querida, tento guardar ambos com a mesma gravidade! No caso da dúvida, é que "estáticos" e "um ao lado do outro" servem primeiro pros dias, mas depois, com verso debaixo, pra nós mesmos, por isso também não pontuo, pra dar margem a essas ambiguidades. Beijão e a casa cada vez mais tua!
Então é assim Guto, está para sair mais um livro de António Lobo Antunes.E, mais um de Saramago. Saramago previsto para Novembro e, Lobo Antunes para Outubro aqui em Lisboa.Penso que com tiragem simultanea aí no Brasil.
Um braço,
Filipa Jardim
Bravo!
Mas eu, meu caro.
Já estou descarrilado. hehehe
Bravo, véio. Quando trouxe pra vida me pegou de jeito.
De resto sabe que eu não tenho a manha da crítica.
Sou surdo de um ouvido. heheh
bração!
De uma amante de Machado para outro, vá ao Museu da Língua Portuguesa. o primeiro andar é só Machado em homenagem aos 100 anos da morte dele.
bjs
Coisa boa isso, Guto. O primeiro verso tem uma composição espantosamente arquitetônica - ou mecanicamente engenhosa. O resto decorre e descarrilha do início fabuloso, que se completa poeticamente sem precisar dos outros três vagões.
Olha, gostei daqui e volto.
Abraço!
Hummm acho que entendi, sempre temo a leviandade que a leitura rápida imprime ao nosso "consumo" dos/nos blogs. Por isso não use jamais de "gravidade" ao conversar comigo por aqui. Pq vou destrambelhando por aqui sem nenhuma gravidade - essa eu deixo para as tantas outras situações da vida "real". Tá?
bj, f
Nossa! Fico muitíssimo feliz por tantas e tão boas visitas nestas paragens. Filipa, fiquei muito grato pela boa nova, estarei no aguardo das publicações. Muito obrigado pelas vindas d'além-mar! Éverton, obrigado pela boa crítica, meu caro, e não te esquentas que, se fores surdo, és surdo de um ouvido que não existe (há um conto fantástico a respeito, que não me lembro, enfim). Má, obrigado pela dica, querida, na próxima ida a Sampa, irei certeza! Victor, obrigado pelos comentários devidamente anotados por aqui, a casa é sua sempre que a visitar. E Flá, querida, gravidade só em oposição a leviandade. Além do mais, és inteligentíssima e realmente preciso aproveitar todos os benefícios de tuas críticas.
Arte a todos! Muita arte!
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