Aug 24, 2008

A arte e os infortúnios

Nem sempre o mundo nos traz boas novidades. Aliás, dizem as más línguas do subsolo, que quanto mais consciente, mais difícil é manter algum equilíbrio que seja razoável. Uma vida tranquila, para mim, é um relevar de coisas. Às vezes, um estado de sublimação dos males. Alguns eventos, de súbito, podem trazer de novo o reconhecimento da misarabilidade, uma conversa (por e-mail) entre amigos, uma notícia ruim com alguém querido, um retrato antigo de familiares mortos... Não sei, e realmente reflito muito sobre isso, se a arte é o que nos guarda dessas adversidades ou o que enfeita nossos contratempos.

cortejos de outono

nas primeiras sombras de outono
os pássaros são folhas confundidos
que se afastem os homens
que são grandes
do baile nos paralelepípedos

só as aves mais frágeis folificam
ante as asas inaptas para o altivo
que se afastem mulheres
seus vestidos
cuja borda lhes fere e abafa o trino

pelos dias que houver até o início
do invisível movimento dos pistilos
que se afastem os braços
dos meninos
da penugem eriçada do arre pio

o sol corre imóvel ao seu estio
o corpo ao meio-fio a dor cipreste
que se afastem as folhas
pelos bicos
e nas flores coloridas se aquietem

7 comments:

FlaM said...

Mais que coisa mais tão linda guto! Que ritmo, que delícia de palavras bem usadas em imagens poéticamente tão bem articuladas.
Primoroso< Guto, Primoroso!
Bj, querido, Parabéns. Flávia

Bel Fonseca said...

A felicidade não chega quando está tudo bem, pois nunca tudo estará bem. Mas quando conseguimos levar numa boa as coisas ruins. Às vezes não queria ter consciência para não sofrer demais. A ignorância tem lá suas vantagens. Mas isso seria covardia, né? Lindo texto. Lindo poema. Abraços, Bel (www.beleleo.com.br).

Anonymous said...

A arte existe para que a verdade não nos destrua.
Diria no Nietzsche...

Então... me ajudou a não ser destruído hj... hehee

gracias

Guto Leite said...

Obrigado, queridos, pela passagem sempre requintada de vossas senhorias por aqui. Que a Isabel, de inédita paragem e excelente site, seja muito bem-vinda! Talvez eu invertesse Nietzsche, a verdade existe pra que a arte não nos destrua. Abraço imenso a todos, de cuidado!

Bel Fonseca said...

ahhh, eu adoro descobrir blogs novos. Principalmente os bons. Achei o seu no do Fabro. E assim por diante. Volto sempre com certeza. E obrigada pela visita (e pela boa vontade). Beijocas, Isabel.

william said...

Construído com rigor até um pouco demasiado... mas de imagens fortes e belas como
"que se afastem as folhas
pelos bicos'
Abraço poeta e até.

Beatriz said...

Guto, querido
obrigada pelo poema.
consola e encanta. A dor delicadamente aafastafa pra depois se aquietar nas flores. Ah, Guto, vc é um grande poeta!
Não é como muitos(as) que se pensam e se acham.
Vc se sabe, eu leio vc!
Bravo