Nos meus tempos de especialização, bolei uma hipótese engraçada sobre a noção aristotélica de verossimilhança.
(Perdoem-me o uso do conceito, mas foi inescapável. Aos não iniciados, trata-se da ideia de que numa narração de qualquer tipo é necessário que cada parte esteja refletida no todo e o todo esteja em cada parte. Trocando em miúdos, uma narração verossímil é aquela em que nada falte ou sobre. Simples assim.)
Voltando à hipótese, qual era? Esta: a verossimilhança é a forma narrativa que encontramos para nos afastar da morte, que é, por definição, avessa a toda narrativa.
Para a morte não importa se está no começo da história, no meio, se vai beijar o mocinho, descobrir a tramoia, desmascarar o vilão etc., ela chega a qualquer momento e encerra a narrativa, uma espécie de Thanatos ex-machina. A morte tampouco é narrada, salvo em histórias religiosas ou de cunho satírico (como o nosso célebre Brás).
Ao nos depararmos com uma narrativa verossímil (abrindo um romance, assistindo a um bom filme...), temos a ilusão de que também no mundo as coisas se dão coerentemente, o que, com efeito, não ocorre. A morte não espera que nossa vida faça sentido pleno antes de se desfazer de nós.
p.s.1: ontem descobri que Umberto Eco, sem falar de Aristóteles, está comigo nesta hipótese maluca.
p.s.2: ontem descobri que um conhecido meu muito gentil morreu num acidente de moto.
Feb 8, 2010
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3 comments:
Obrigado, primo. Eu me aproximei dele menos do que meu juízo tardio me diz seria o ideal. A morte dele foi uma baque bem pesado.
primo, muito obrigada pela homenagem ..... saudades eternas desse menino grande .... beijos
Bonita homenagem, Guto!
Ele estará sempre em nossos corações!
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