Mar 3, 2009

Muletas

Já postei antes estes dois poemas e - sem querer aqui me apoiar nas muletas necessárias a quem faz blog de poesia, os poemas elogiados - reapresento-os com as modificações recentes para um concurso de poemas que vou participar (Guemanisse, aos que se interessarem, só procurar no Google que é bem fácil de achar). Claro que são incontáveis as ressalvas contra a iniciativa, mas me pergunto se não é justamente de homens que sucumbiram a estas ressalvas a culpa por se erigirem hoje, os concursos de poema, em estruturas tão frágeis, de gosto duvidoso, percursos obscuros etc. Também já fui premiado, o que torna estranho abominá-los agora hipocritamente. Ademais, sempre me deparo em alguma colêtânea com um ou outro poema inspirado. Não é muito, mas até o menos matemático dos leitores concordaria comigo que melhor um bom poema do que nenhum! Versos de algibeira a todos!

quando as luzes se acendem

a noite traz a luz para fora das casas
ascende-as

os homens que à primeira luz
saíram
chegam apagados

as luzes que a noite acende
fora das casas
despedaçam-se

pálpebras se contraem
no espaço secreto que sonhem

quanto mais os cenhos apertados
desfiguram-se
da cilha natureza do trabalho

mais a noite segue retomando
o espaço à corrente

de súbito e no máximo contrato
os elos se rompem
os braços dos abraços

e assim que não se reconhecem
mais reconciliados

as luzes apagam de novo
a noite fora


os cortejos de outono

às primeiras sombras de outono
os pássaros são folhas confundidos
que se afastem os homens
que são grandes
do baile nos paralelepípedos

só as aves mais frágeis folificam
pelas asas inaptas para o altivo
que se afastem mulheres
seus vestidos
cuja borda lhes fere e abafa o trino

pelos dias que houver até o início
do invisível movimento dos pistilos
que se afastem os braços
dos meninos
da penugem eriçada do arre! pio

o sol corre imóvel ao seu estio
o corpo ao meio-fio a dor cipreste
que se afastem as folhas
pelos bicos
e aos silvos do inverno se aquietem

7 comments:

Anonymous said...

ô mano véio
vai bem no concurso!

Anonymous said...

Guto,

São belíssimos esses poemas. Foi através d"Os cortejos..." (no Poema Dia) que vim a conhecê-lo e admirar sua poesia. "Quando as luzes..." é, pro meu gosto, ainda mais bonito. Mas confesso que estranhei o tempo verbal "sonhem" no 10º verso. Apesar de fazer bom par com cenho, não consigo me acostumar. E o "mais" no 14º fica parecendo um erro de digitação. É "mais" mesmo? Não é "mas"? Por que?

Seus concorrentes vão ter que suar a camisa!

Abração e boa sorte!

Anonymous said...

Gostei muito desses seus poemas, esses versos em especial:


"de súbito e no máximo contrato
os elos se rompem
os braços dos abraços

e assim que não se reconhecem
mais reconciliados"


muito bonito.

Guto Leite said...

Salve, queridos, muito obrigado pelos votos, elogios e apontamentos... sempre me ajudam muito e de maneira decisiva, realmente obrigado! Respondendo ao Felipe, grande novo amigo, o "sonhem" do décimo verso é no imperativo mesmo. É um recurso que uso às vezes, como se fosse uma voz externa ao poema, no caso, que afirma "deixa que sonhem!". Concordo contigo que causa mesmo esse estranhamento, mas a idéia, baseada numa teoria semiótica que nem vem ao caso, eu acho, sobrepõe mesmo as duas vozes, pra permitir os dois sentidos (no caso, "sonham" e "sonhem"). Já o verso 14, a minha idéia original era uma inversão na frase "quando não mais se reconhecem reconciliados" para "quando não se reconhecem mais reconciliados", mas o seu apontamento me deixou na dúvidas qual dos dois sentidos seria melhor ao poema... Daí pergunto a todos, que acham? Vou precisar ponderar e tals, ainda mais com o comentário da Camila... Que maravilha é artear com seriedade, não!? Grande abraço a todos.

Anonymous said...

Guto,

Antes de tudo quero celebrar esse "grande novo amigo" porque é da mesma maneira que eu me sinto, ainda mais vendo a generosidade e a paciência que você tá tendo em revelar pra gente seu fazer poético.

Eu já tinha intuído um pouco, na minha maneira diletante, essas duas vozes entremeadas em outros poemas seus, e achei porreta. Mas no "Quando as luzes..." eu tenho a impressão que a estranho não porque é outra, mas porque só aparece ali, no "sonhem", e aí parece que desafinou.

Agora o "mais" que eu estranhei não é o "mais reconciliados" não, Guto! Esse aí eu concordo com a Ca:mila, está muito bonito. O "mais" que eu estranhei é o "mais a noite segue retomando". Mas isso já passou com umas releituras.

Obrigado pela poesia e pela paciência, Guto.

Forte abraço!

Guto Leite said...

Grande Felipe, vale, sobretudo, o diálogo, meu caro. Aposto ser muito mais benéfico e prazeroso pra mim responder aos comentários (com a permissão do tempo). Desculpe-me, realmente contei errado o verso indicado, este outro "mais", do décimo querto verso, inicia o segundo elemento da comparação da estrofe anterior, que começa por "quanto mais", como se fossem duas grandezas que se intensficam com o adentrar da noite. De toda forma, vou refletir sobre isso e também sobre as duas vozes no "sonhem"... Outra vez agradeço a opinião, as questões e a leitura, absolutamente bem-vindos!

Beatriz said...

Boa sorte no concurso.
O Cortejos de outono sempre me emociona pelo lirismo nas asas, vestidos, meninos e mulheres cipreste
Quando as luzes se acendem - traz a noite pra dentro do poema e ilumina a falta pressentida.