Jul 7, 2008

Minha linhagem mineira

Este é talvez o último poema que faço na oficina do Fabro. Feito há algumas horas, traz muito daquilo que me desescora. Tive uma dificuldade íntima tremenda, pra um dia além de difícil. Espero, como costumeiro, as críticas sempre sensíveis e as discussões maravilhosas que vêm ocorrendo neste espaço. Instantes especialíssimos a todos! A vida não vai tanto além disso.

Chapéus e mancebos

quando me soltam o braço
nos arrabaldes mineiros

quando perguntam sempre
da saúde dos menores
mulheres são fotos ovais
de generais na parede

quando a varanda se enchia
de tios fumando e truco
e os gritos chamavam os homens
pelas travessas quentes

quando as saias coloriam
os quadrados de azulejo
evangélicas e retas
à altura dos olhos

canso quando me olham
os ombros os antebraços
quando disputam comigo
os espaços que são das coisas

todos os mártires são cruzes
mulheres mortas são panos

canso dos outros homens
das mulheres descansadas
canso de não ser coisa

os andares de madeira
os moldes preservados
os tabacos de azulejo
o cansaço

talvez haja um cansaço
próprio a cada coisa

7 comments:

Beatriz said...

Guto, seu poema é interessante. Conta história. Prosa dentro do poema? E esse cansaço, sim. O tempo de cada coisa. A aura do lugar e sua "durée": paradas ou imobilidades sucessivas.
Parabéns
mille baci

Isaac Frederico said...

aloha guto ! interessante essa oficina; fiquei imaginando a dimensão da influência na escrita corriqueira do seu estilo.
gostei do poema mano, ele traz nítido essa carga de cansaço e do non-sense que certas coisas podem ter, vistas do ângulo demolidor (no caso) do poeta.

me deu a impressão de um pouquinho de pressa, entretanto, pois achei que alguns versos poderiam expressar com mais eficácia o que, no meu entendimento, estava querendo expressar.

versos como

"todos os mártires são cruzes
mulheres mortas são panos"

dão a impressão de que outros como

"canso dos outros homens
das mulheres descansadas"

poderiam ser melhor acabados.

abraço gutão !

Mariá said...

oi guto! não pode publicar seu comentário mesmo? gostei do que você disse.

bem, você que sabe! :-)

gostei do poema. imagens bonitas, metonímias bonitas, tem uma cor nele, um acor opaca de tarde de um sábado de verão. saca?

Guto Leite said...

Nossa!! Obrigado demais pelas críticas. Mariá e Béa, pelas cores vistas, Isaac, por ver o tema tratado! Pela ressalva, é engraçado que a opinião do grupo foi que eu deveria tirar os versos anteriores (cruzes e panos) em vez dos seguintes... Por enquanto, mantenho "ambos os quatro" pela questão do mergulho. Alguns versos no fundo, outros à tona. Minha herança mineria do primeiro Drummond, =). Mas me fez pensar a respeito, marujo.
Abraços e arte a todos os queridos!

FlaM said...

Uau!
Esse é o meu poeta! o homem e sua poesia!
Adorei este. também canso.
hoje o cansaço é imenso, embora creio que seja outro. Mas também
canso dos outros homens
das mulheres descansadas
e principalmente canso deste cansaço...
bjs, querido!
Flávia

william said...

Um poema para ser falado, além dos olhos ele pede voz.Fiquei com essa sensação do declamado. Tem um ritmo brecado, espaçado.Um imaginário de memórias em palavras quase suspiradas.Um cansaço que surge e se desdobra até o fim do poema.
Bem lapidado e sem se extender além do necessário.
Abração e até.

Guto Leite said...

Obrigado pela boa crítica, queridos! Contrapontual, polifônica, extremamente valiosa...
Abraço grande!