De vez em quando, como uma brincadeira, até então, própria, escrevo algumas coisas que se encaixam nos furos que o discurso deixa para nos desentendermos... Sim, nada mais, nada menos, do que uma espécie de onanismo lingüístico, destes que se põe o fim e ri-se sozinho (nada mais triste do que alguém à caça de divertimentos, não?). Embora esteja escorado em camaradas como Borges, Machado e Kafka, entre tantos e melhores outros, peço que me perdoem por compartilhar com vocês esta prática tão vergonhosa!
trick question
perguntado a respeito de qual é de fato o destino das gentes, o tolo respondeu, salvo as milhares de nuances, todas as almas do mundo se dividem em dois grupos bem delimitados, os imediatos e os profiláticos, os primeiros acreditam poder saciar sua incompletude atendendo prontamente a qualquer anseio que lhes dite o corpo ou o espírito, os últimos, diferentemente, acreditam que, negando estes mesmos anseios que lhes surgem à mente, ou à mente do corpo, favorecem a chance de um dia tornarem-se plenos, aqueles, após vidas sucessivas que consomem fazendo o mesmo, encontram, por fim, o inferno, estes, após, simétricos, consumirem também seu tempo entre nascimentos e óbitos, encontram o céu, assim se define o destino das gentes do antes ao depois, estupefatos com a revelação, absolutamente humanos, os inquisidores hesitaram, tolo, o senhor está certo do que dizes, é claro, respondeu, se não, tolo eu não seria, é isso, exatamente isso, ou seu contrário
Jan 20, 2009
Jan 18, 2009
Aniversário
Fiz aniversário nesta semana e, em homenagem avessa, posto um poema do último livro em tom de elegia! Agradeço aos leitores de sempre pelo carinho e pelo tempo que "investem" em minha poesia. Trabalho beneditinamente para acreditar mais que sou um escritor necessári... Muita arte, sobretudos e Cartolas!
Quando não há aniversário
em dias de tristeza
não se faz aniversário
as velas queimam cerejas
o tempo áspero trapo
arrasta no espaço buracos
miasmas lábios do avesso
destino enviesado
range demora e se chega
não há quem fomente o azo
batendo palmas
há o enfado do atraso
que não é seqüência nem pausa
não é calma nem pressa
um sopro do desabafo
que infesta se as velas vazam
Jan 15, 2009
Depois do pito
Como na segunda, levei um pito da Béa - por ter perdido o faro -, posto hoje, enfim, versos de que realmente gosto, apesar da usual estranheza que causam nos outros. Escolhas, escolhas. Versão são acima de tudo escolhas, sua metonímia e seu microcosmo. Recentemente tirado do barro, fica o meu carro de boi.
carro de boi
no princípio era o boi
puxando a carroça
viu o boi que era bom
depois
o homem do nada
para subir-lhe às costas
ainda bom
séculos se multiplicando
sobre a terra
o boi
o homem
sobre a carroça
cada um com sua costela
(tecnicamente bisteca para o boi)
povoaram todas as estradas
visto que a piedade nasce
assim que morre a esperança
quis um bom homem trocar com a montaria
e os outros bons o imitaram
hoje
quando os bois que restavam no arreio
subiram à carroça
só os melhores homens passaram
a arrastar o mundo
por que levá-los às costas
se ruminam
sem qualquer consciência do destino
se perguntam
Jan 14, 2009
A hipérbole do erro
Qualquer um que se preza deve tomar algum posicionamento diante dessa guerra, então o faço! Não o faço analisando os méritos, a história bíblica ou deste século das desavenças entre os dois povos. Nem mesmo aventarei quais as bases do conflito. Sou contra a morte de um homem por outro homem, quaisquer que sejam eles. As guerras são, na verdade, uma hipérbole do que eu não gosto! Fica meu poema-asco.
função
para cada macho uma fêmea
limpa e preparada
para cada fêmea seu macho
educado no esboço
para cada soldado uma bala
uma única bala
para matar a saudade
que todo corpo tem do nada
função
para cada macho uma fêmea
limpa e preparada
para cada fêmea seu macho
educado no esboço
para cada soldado uma bala
uma única bala
para matar a saudade
que todo corpo tem do nada
Jan 12, 2009
Feliz 2009!
Vinte dias de férias e volto, finalmente (para mim), a postar neste espaço! Escolho algo polêmico para o retorno - nem mesmo gosto destes versos -, mas como as coisas normalmente são e mais nada (viva Caeiro!), fica este poema mesmo, com os votos de ótimo ano a todos e, sobretudo, muita poesia, canção e apaixonamentos pela vida! Logo logo, mais novidades...
o réveillon dos cães
uma vez por ano os cães
a pagar pelos erros de seus pais
compadecem no pêlo as maldições
que embrutecem todos os mortais
o medo de não ser mais o que são
de ir além do faro dos demais
temem não mais guiar a atenção
ao que acorda seus olhos animais
queimam no ar as cores como tais
riscam o lembrar dos sonhos
de brilho escondem e emudecem os ais
debaixo da mesa o pavor consome
num apito longo de altos decibéis
os cães agonizam sua dor dos homens
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