Nov 29, 2008

Poema Dia

Nos últimos dias, estive às voltas com o fechamento da minha primeira peça e de mais um roteirinho de cinema. Posto, "infelizmente", por falta crônica, um poema das antigas. Ah, soneto!, me dirão com raiva os puristas ao contrário, os conservadores de vanguarda. Defendo-me com o fato de neles ter deitado alguns anos de prática de ritmo, rima, som e peso da palavras. Não recomendo aos pequenos nem publico (salvo por motivo de força menor), mas cá no espírito carrego um quarto a Camões, Shakespeare, Baudelaire, Bilac e outros destes.
Preciso, antes do abraço, chamar a atenção para um novo projeto. O Poema Dia é um blog em que cada poeta adota um dia em que se responsabiliza por postar um poema. Há muita gente boa no projeto, poetas interessantíssimos! Por mim vale pouco, mas o talento dos demais justifica em muito a visita e as minhas falhas! Começa nesta segunda, queridos, se possível, acompanhem.

Casamata

As nuvens de tinta sombreiam a noite,
O vento operário me percorre a espinha,
O mesmo que trouxe o apagar das cores,
Dos temores metálicos me arrepia.

No ar carregado, é tensão e açoite,
No corpo a batalha já tombou suas vítimas,
O estrondo da alma debandou amores,
Lá fora é o arauto do que se avizinha.

Os raios, o cheiro de chuva e a ventania,
Embora prisioneiros do espaço externo,
Cativam, nos meus nervos, covardia.

Entre os primeiros a sentir o inferno,
O chão treme os pés da companhia
E antes da explosão de cinzas, me consterno.

Nov 25, 2008

Como foi em Sampa

Salve, caro Victor. Em resposta à tua pergunta de como foi em São Paulo, posto a única coisa que consegui fazer por lá. Ajudei meu amigo na edição do filme de setembro, revi correndo outros amigos, passei pela Unicamp, fui esporadicamente magoado e esporadicamente magoei nesses trajetos. Ou seja, o costumeiro... Pra ouvir o som, basta clicar no nome, linkado à minha página no myspace. Crítica ferrenhas igualmente bem-vindas quanto às canções.

Em nome do pai
Guto Leite & Thiago Lourenço

Onde será que está?
Será que alguém viu?
Quem pode me contar
Saiu.
Se foi sem me avisar,
Não se despediu.
Por que não quer voltar?
Sumiu.

Às seis da manhã,
Eu vou.
Depois de brincar,
Eu vou.
Correr, pedalar,
Eu vou.
Eu vou para achar,
Meu pai.

Sorrir amanhã,
Eu vou.
Se Deus me ajudar,
Eu vou.
Chorar, abraçar,
Eu vou.
Chorar pra abraçar meu pai.
Chorar pra abraçar.

Vai ver é aquele ali.
Parece comigo.
O mesmo ar, feliz
Menino.
E aí? Como é que vai?
De onde que é?
Pensei que era meu pai,
Não é.

Sorrir da manhã,
Eu vou.
Se Deus me ajudar,
Eu vou.
Chorar, pedalar,
Eu vou.
Eu vou para achar meu pai.

Às seis amanhã,
Eu vou.
Brincar de depois,
Eu vou.
Correr, abraçar,
Eu vou.
Correr pra abraçar meu pai.
Correr pra abraçar.

Nov 23, 2008

O filho apagado

Escrever como profissão. Tomar uma ou duas horas diariamente para a prática, mais o tempo em que inesperadamente se intui um poema, um verso, uma imagem, sempre fora de hora, ou na hora exata que lhes pertence. Enfim, é algo que ainda não consigo, mas já o faço, se não em viagem, em dois ou três dias na semana. Quando, e este é o ponto da postagem, o número de poesias se torna um pouco mais robusto, surge o fenômeno peculiar do poema mais ou menos. Trata-se de poemas que nem de longe trazem o poder sintético ou imagético de seus mais bem acabados comparsas, mas que mesmo assim carregam alguma coisa que seduz seu autor a ponto dele achar que deve publicá-lo (no sentido estrito do termo), mesmo sabendo que o considerarão pior por causa deles. Para deixar mais ácido, comparo o quadro aos pais de cinco filhos, dentre os quais um (ou dois, ou três, ou quatro) se mostra bem mais lento que os outros. Tá, vai lá, tem seus defeitos. Tudo bem, tudo bem, é apático e desinteressante, mas é deles, dos pais, no mais razoável dos amores. Alfinetando pro outro lado, costumo dizer isso dos poetas brasileiros. Todos? Talvez. Eu pelo menos. Defeituosos, mas nossos!

nota de falecimento

pelo amor especulativo
que os homens mantêm entre si
pelo dinheiro
matou-se esta manhã
com um tiro no peito
um operador da bolsa

deixa viúva filhos
uma mancha de seis gramas
de chumbo
na camisa do amigo
além das onze prestações restantes
de uma arma 38

Nov 12, 2008

A alegria de um poema

O que significa realmente a existência de um poema na língua de seu povo? Adorno, do lado de lá do muro teórico, aposta na ruptura do Eu, que se põe antitético à realidade, embora se universalize ao soar linguisticamente. Levando um passo adiante o seu raciocínio - trepando no muro -, o poeta seria aquele que vê o que qualquer um poderia ter visto, mas não viu, por isso é individual e social ao mesmo tempo. Elliot, do lado de cá, brada o dever do poeta com sua língua e com a sensibilidade de seu povo. Assim, a poesia carregaria este estandarte do prazer responsável, alargando e requintando a tessitura semântica da nação. Eu, do lugar nenhum, creio na alegria do poema, na sua capacidade oasística de abrir um largo sorriso no discurso, de olhar o bom senso com o chapéu de palha abaixado sobre os olhos, de ser um tapa ou um sopro surpreendente no sentido inerte, que, por estar inerte há muito tempo, já não espera mais nada.

cinamomos

nas árvores longilíneas
− uma tia morta de câncer −
há a vida da poesia

não nos mangues nos pântanos
nas árvores frutíferas
nas bocas dos meninos cheias de ovos de moscas
não nas cidades

parangolando as folhas da impossibilidade
pende o viço que salta
por saber que morre logo

os pássaros mais bonitos se aninham é no espinhaço
os pássaros vivos

Nov 9, 2008

O isso

Interpelado uma vez pela Flam, "não venha me dizer que é prosa... é poema, é poema", senti um déja vu, que salvo o sonho de Brás, está entre as retrospectivas mais imagéticas que se tem notícia. Há muito me falam, todos com razão, que meus contos são mais poemas do que contos. Respondo, sem discordar, que depende em quem se escora. Se a epígrafe é Baudelaire, poema, se Trevisan, prosa. A síntese vem talvez de algo que me disse o Alfredo Aquino sobre a pluralidade de sua arte: a matéria é a mesma, não há dificuldade. Bom, está dito, segue o isso.

o homem

Parecia uma velha comum. Era uma velha comum, no ponto em que todas as velhas são comuns e únicas. Do primeiro, supomos sua saia de pano à boca das canelas, sua blusa de flores esfolheadas, suas mãos indecisas entre ficar e ir. Ver é a forma mais tênue de supor. A maneira com que se movimenta toda noite em frente a uma casa célebre do centro da cidade e um poodle amarronzado que traz nos braços eram traços que ela não compartilhava. Como nunca se mexe, supomos que a cadela se chama Inês. Gerações têm contado aos jovens, mesmo se não a viram realmente, suas aparições e seus perigos. Há quanto tempo caminha como se a ninar a morte? Por que não a afugentam ou recolhem ou entendem? Ela, sabiamente alheia ao material do mundo, segue sua existência perfeita de ser a imagem do conto à imagem do conto.

Nov 6, 2008

Poemas bêbados


Foi comum no começo do último século, na poesia, a existência de poemas curtos, visando densidade, muito subjetivos e que buscavam um corte agudo no real. A esses poemas chamaram "impressionistas". Isso eu soube há pouco, no meu conflituoso e duradouro namoro com a teoria. Já conhecia Leminsky, claro, mas daí fui atrás de gente viva e achei Adília Lopes, uma poetisa portuguesa que ainda pratica esse tipo de verso e com uma qualidade primorosa. Ano passado, ainda ignorante das camisas-de-força teóricas, apresentei alguns exemplos meus destes poemas a alguns amigos, também poetas, que surpreendentemente precisaram ser convencidos de que se tratava de poema e não de trocadilhos, ou "nadas", ou um dos meus tão vergonhosa e frequentemente comuns sarcamos com amor. Estamos neste caso levando nossas práticas um passo adiante ou, mais do que atrasados, revivemos uma poética coadjuvante do século passado? Apesar das minhas atuais preocupações hepáticas - resultado de certo sarcasmo divino comigo -,comparo estes poemas, e por que não dizer os poetas que os fazem? ou todos, a bêbados que avançam, retrocedem, andam de lado, absolutamente bêbados daquilo que são obrigados a sorver diariamente de real.
(os poemas que seguem figuram no meu próximo livro, ainda em construção)

modernidade

sá-carneiro suicidou-se
por não-se-opor
pessoa também teria se matado

tic tac

um calmante por favor


negócio da China

os manuais masculinos estão em chinês
as chinesas não têm manuais chineses


trava-língua

os matos pastam as vacas
no inevitável das carcaças


o que é natural a um corpo

as horas são fundas
o tempo raso
a vida é um corpo que emerge

Nov 2, 2008

Agrado?

Há uns tempos, eu havia postado a letra dessa mesma canção aqui, à época com outro nome, e rolaram várias boas críticas, sugestões e afins, que me ajudaram muito a refinar, aparar etc. Recentemente, algumas das gratas presenças deste espaço me emocionaram muito ao falarem sobre minhas canções, que certamente é arte que mais me consome, no sentido de eu ter muita facilidade pra fazer e grande, mas restritissimamente pessoal, reconhecimento. Por tudo isso, mais uma vez, corro o risco de gravar à capela e com um microfone bem ruim, pra trazer a melodia dessa canção. Em março, gravo com a Abracabrália com mais cuidados e salamaleques necessários. Obrigado Tággidi, Valéria, Issac e Ique pela co-autoria destes versos.

Aves & Insetos

Ouvidos pirilampos quando
Ouvem, piscam; quando
Voam, saltam; quando
Brincam, riscam os céus.
Nos úmidos desertos sonham
Luzir seu brilho esparso como
Um meio de voar mais alto
Fugindo dos insetos.

Ave, andorinha, linda linha
Branca no ar azul,
Bem acima dos pântanos,
Além dos obstáculos.
De vez em quando baixam e, por descuido,
Mudam seu habitat,
Engolem um pirilampo
E piscam-piscam por dentro.
Engolem um pirilampo
E piscam-piscam por dentro.

p.s.: e continuo achando que estou falando sobre arte nesta canção, rs.