May 31, 2008

Crônica a pedidos

Demorei um tempo para conseguir escrever isto. Outro, para ter coragem de postá-la. Minha prosa é frágil como sorrisos de criança. De certa forma, clico em "publicar postagem" com alguma alegria de conseguir falar sobre, mesmo depois de tanto tempo. Nunca mais poderei ouvir "Anos dourados" até o fim, sem ser obrigado a isso. Mas o que é uma censura íntima diante de um amor público?

Paulatinamente

Dias até sair comigo. Meses até eu conseguir um beijo piedoso em lábios enlagrimados. Gostou, então, e foram outros, muitos, a me cobrir o rosto de sua pele bem tecida, fazendo-me bonito com aqueles olhos azuis-windows tão próximos, a se confundirem meus.

Não por vaidade que a quis um dia, mas por outro crime que também anda excluído dos requisitos de pessoa que vai longe. Mandei-lhe canções, que é mais moderno, falamos por três horas, na mesa de uma cachaçaria, sobre rótulos de whisky, e nos achamos íntimos como um irmão que não nasceu. No solilóquio dos passos para casa, seu conflito em censura – entre altiva e casta – despontou-me a vontade de novamente ser em dois.

Dali, pois, toda a espera de que já falei, repleta de contas de telefone, conversas eventuais pela net, troca de notícias culturais e términos de namoro. Houve até o impasse, quando qualquer escolha é desastrosa. Nos silenciamos na quaresma, para, com uma mensagem enviada das mesas de um show do Chico, repormos nossas máscaras e desembaraçarmos serpentinas.

O beijo, a vertigem, os motéis de segunda cedo. Orgasmos como argumento. Não viaje, fique, fiquemos, não, vamos, ambos. Caetanos a estranhar acentos e a ouvir, atenciosos, palos secos ao som de tamancos. Você estuda, eu enxáguo pratos com meu violão na caixa. Os mais velhos, céticos, imaginando-nos em camisas de mangas exageradas. Tudo simulacro da vida, metonímico, gracioso.

Enfim, ela se deu conta e disse, entredentes, que apesar da aversão em deixar-se às gerações seguintes, comigo teria um filho, comigo sim, que a amava, que amava. Achou um monte de fotos suas, de baianinha, de festas à fantasia, escaneou e mandou-me por e-mail. Pediu-me algumas que só minha mãe tinha e eu as arranquei dos álbuns. Apresentei meus amigos, ela, a família e viramos um substantivo comum, separados por hífen.

Após um recado na secretária da Vivo, gravado aos gritos de um saguão de aeroporto, ela foi pra Madrid. Numa sala menor, mas com Homero e Freud, ganhei companhia pros meus copos de água. Namoramos o fuso por três longos meses, até me trair numa noite de Ano Novo. Contou-me, ainda, a história, paulatinamente. Na quarta noite de Skype, achei melhor que ficasse interminada.

May 30, 2008

Polêmicos

A contrapelo, sou partidário do abraço. Não em tudo, obviamente, que ainda acredito na idéia individualizante do gênio romântico. Contudo, pode-se dizer, em linhas gerais, que defendo normalmente a convergência ante a divergência. Assim, motivado pela temática polêmica no blog de uma amiga recente, posto alguns poemas sobre certo tema polêmico. A forma? Sim, vão naquela forma própria de fazer poético que alguns gostam, muitos não gostam e eu me defendo. Apelo para o abraço! Análogo à maneira com que tratamos muitos de nossos escritores - na linha do é ruim, mas é nosso - por favor, tenham clemência com estes versos que muito querem dizer, além do que dizem efetivamente. Pra quem leu Umberto Eco (eco, eco, nunca resisto a fazer essa infâmia), pensem no conceito de obra aberta, aqui levado ao limite do polêmico. Espero as críticas... Ademais, divirtam-se, muita arte e ótima sexta-feira!

Francesinhas

as crianças pequenas falam francês
as pequenas francesas sont pequenos anjos


Gangorra

eles sentados
ela para cima
ele para baixo
depois gangorram
altos saltos-altos
até perderem
se pela mão do espaço

Negócio da China

os manuais femininos estão em Chinês
as chinesas não têm manuais chineses

May 27, 2008

Novo livro

Estou começando a escrever um novo livro. Traz o nome, ainda não estabelecido, de "Aperitivos & Sobremesas", com o projeto lírico de ser repleto de poemas burguesinhos, antiquadros, poemas de almoço de família. Claro que é impossível não pensar num discurso inverso que corra paralelamente a esta superfície amena. Após a Dedicatória (também um poema), segue este que lhes apresento. Espero as acertadas opiniões costumeiras! Muita arte a todos!
p.s.: mais uma vez deploro a impossibilidade de reproduzir a forma original do poema.

Onde as luzes se acendem

a noite carrega a luz para fora das casas
acende-as

os homens que à primeira luz
saíram
chegam apagados

as luzes que a noite acende
fora das casas
despedaçam-se

brutalmente
pálpebras se contraem
no espaço peque
no que sonham

quanto mais os cenhos apertados
desfiguram os cílios
de sua cilha natureza de trabalho

mais a noite segue retomando
o espaço à corrente

e assim que não se reconhecem
reconciliados
as luzes apagam de novo
a noite fora

May 25, 2008

Chico, Altman e inutilidades

Às vezes os eventos ocorrem de maneira peculiar. Estou num esforço tremendo para conseguir harmonizar minhas próprias canções - sim, as músicas lá no site são no velho estilo cabeça / fita k7 - e hoje eu estava justamente fazendo a harmonia de uma balada bem pop quando começou a passar "Benjamin", filme baseado na obra homônima de Chico Buarque. Não que eu seja purista a ponto de descartar produção pop ou qualquer outra faceta da cultura popular, mas senti certo constrangimento desconfortante. Não sei, eu ali usando lá maior com sétima... Aos poucos, a precariedade do filme me deixou mais à vontade e consegui terminar minha primeira harmonia sozinho, sem sentir o peso de "Construção", "Deus lhe pague", "Flor da idade" etc. Eventualmente, esta pode ser uma grande notícia! Mas creio que não. Bom, vou fazer algo de útil e assistir a M.A.S.H. (Altman), que começa. Se não viram, vejam! Muita arte a todos nesta semana. Desculpem a postagem imitando a estrutura formal do cineasta.

p.s.: amanhã dou minha primeira entrevista gravada sobre arte, por favor, torçam por mim. Sou muito menos interessante pessoalmente.

May 22, 2008

A la Brás

Antes eu comentaria a morte da arte! Estive pensando muito nestes dias sobre o tema e finalmente entendi a postura de um grande amigo que se recusa a vender quadros. Como mensurar o impacto da possibilidade de venda no ímpeto criativo do artista? Sim, sim, sempre houve vaidade, reconhecimento, atalho ao prazer e essas coisas, mas saber que se está criando pra um cliente é consciência das mais modernas. Que mandem chamar as carpideiras! Mas desisti de escrever sobre isso. Estou decidido a polemizar menos e a falar menos besteiras.

Depois escolhi falar sobre como tenho gostado pouco das pessoas. Não acredito mais na possibilidade de elevação de espírito - no sentido clássico - e independência de índole e gênio a ponto de um ser humano conseguir ser justo e misericordioso. Claro que, puxando pela memória, consigo identificar algumas pessoas realmente notáveis, mas certamente são bem menos do que eu gostaria que fossem. Frustro-me muito quando identifico em mim reações ou pensamentos que por mim seriam criticados. Mas também desisti de falar a respeito. Certamente causaria antipatia nos meus singulares leitores, seja pela soberba inerente à análise, seja por se identificarem com minhas críticas.

Por fim, inescapável, fica um poema. Baixo, ralo, poema de padaria. E que cada um pense por si!

Psyké

o amor é um inseto pequeno
que rasteja
− larva indecorosa −
sua viscosidade aparente
enseja certo asco
tem na metamorfose
sua mais vil predadora

o amor não tem patas
desloca-se
dobrando o próprio tronco
ao espaço seguinte
o que explica o número exagerado de migalhas
presas em si

por estar no escuro
enquanto cresce
o amor não tem olhos
deles não precisa
já que sucede
um claro par de antenas

deduz-se
sem que eu o diga
que o amor também não porte
boca ou ouvidos
que não se comunique
e encerre tudo o que precisa
em sua natureza

muitos tentam inutilmente
ter o amor sob os olhos
mas a qualquer vôo da vontade
ele se comprime
e foge
nas fissuras do assoalho
extenso demais para ser pleno

outros o apertam firme
no justo intervalo dos dedos
entre duas mãos
estes se surpreendem ao abrirem
e verem que o que antes era
tão belamente disforme
agora é fóssil

só convivem bem com o amor aqueles que o ignoram
deixando-o pelo corpo
com sorte
no casual atrito de outra pele
matam borboletas

May 19, 2008

Os males do blog

Eu ia me inscrever num festival bem interessante, organizado pela Off Flip, tanto de poesia quanto de conto. Infelizmente, não são aceitas insrições de poemas já publicados - normal - nem mesmo em meios eletrônicos, incluindo blogs. Assim, de cara, perdi uns dez ou quinze poemas que considero razoáveis, e uns dois ou três contos. Pensei em fazer um e mandar, mas me pareceu demais um tipo de loteria lírica, quase um número. Além do quê, um poema feito pra concurso não tem absolutamente nenhuma validade artística... Enfim, não estou dizendo nada.

Mensageira dos ventos

no fim da manhã quando tudo está ermo
e as janelas e portas são esforços de enfeite
permaneço imóvel a algum canto enfermo
com olhares móveis a intuir deleites

o sol que se move feito um cão soberbo
surge nos vãos das tábuas nos batentes
num esforço extremo sobre o mundo ileso
põe tudo a mover-se em sua sombra quente

apesar dos corpos, luzes decadentes
que ainda ignoram a força que há em torno
tudo é estático e a quebrar-se urgente

entra na pressa e no furor de um forno
no ar que arremessa soam alguns pingentes
e a casa em festa perde os seus contornos

May 16, 2008

Felizmente triste


Queria postar algo antigo, que minhas mais novas incursões aos versos andam sensíveis demais ao golpe crítico, porque ainda frágeis, mudando. Posto, então, no meu gosto, talvez o poema mais competentemente triste de meu último livro, sempre disposto a críticas, opiniões, rearranjos. Desejo arte a todos, perpetuamente!

Quando não há aniversário

em dias de tristeza
não se faz aniversário
as velas queimam cerejas

o tempo áspero trapo
arrasta no espaço buracos
miasmas lábios do avesso

destino enviesado
range demora e se chega
não há quem fomente o azo

batendo palmas
há o enfado do atraso
que não é seqüência nem pausa

não é calma nem pressa:
um sopro do desabafo
que infesta se as velas vazam

May 14, 2008

Um sopro

Gosto muito dos poemas que vêm assim! Com alguma maquinação, em grande parte subconsciente e silenciosa, e muito deixar-se ir. Claro, um reparo aqui outro ali depois de feito. Como disse o Niemeyer, "um sopro, né? A vida é um sopro". Assim também é o poema.

Pequenina

talvez uma chama te alastre o corpo
pequenina
e queiras ardê-la te tendo ao fogo
rápida e fria
mas não te dizem da longa existência
das coisas
isso não te contam
como o ar estagnado que existe
mesmo em sua ausência

o vento é só o que sentes como movimento
e este precipita
pode conter a carícia decerto mas não te embala
em cheio
na paz que dentro da madeira conta
uma dezena e meia
e aquilo que não ocorre não acrescenta
nem tira

assenta-te à borda da fogueira
pequenina
tal se o frio te abismasse e não trouxesse
asas
se não te queimares doce na fagulha
espera o encanto mórbido das brasas

e um último vento virá soprar as cinzas

May 13, 2008

Pêndulo

Na Folha deste domingo, o professor Coli - aliás, um dos grandes e lúcidos intelectuais contemporâneos - cita Maria Bonomi: "a arte tem que alcançar o maior número possível de pessoas". Parece simples, e talvez o seja, mas é possível identificar facilmente como marca de nossos tempos a aversão mútua entre "arte" e "público", e, ainda mais drástica, entre "arte" e "popular". Até somos capazes de encontrar iniciativas do poder público no sentido de disponibilizar arte a quem quer que se interesse (Virada cultural, editais etc.), contudo, na comparação com as demais esferas de atuação de uma política pública, certamente trata-se as iniciativas em cultura são por demais tímidas e carentes de implementos. Já os conceitos do que seja "artístico" e "popular", pelo menos nos últimos 30 anos, têm se afastado tanto, e tão irreconciliavelmente, que não é absurdo afirmarmos hoje que são conceitos excludentes. Fomos tão falhos em nossas políticas educacionais, pensando este termo de maneira vasta, que aquilo que identificamos como popular jamais será reconhecido por nós como artístico. Por outro lado, ou pelo mesmo, tudo que vem sendo chamado de arte, necessariamente é constituído na dificuldade de entendimento da maioria, mesmo sabendo que a arte se destaca, muitas vezes, rompe estas barreiras ao comunicar pelo sensível. Complexo o panorama? Não, abarrotado de fenômenos e detalhes, sim, mas ainda inteligível. Complexo se torna se aventarmos a influência deste quadro no momento de criação da obra arte, quando o artista, ante o vazio, decide transformar o que há em outro.

May 10, 2008

Fragmentos

Em minha casa nova, matenho o hábito de rasgar todo papel que a impressora não devora e deixar na gaveta. Assim, se preciso anotar algum dado, site, livro a ser comprado, pego logo os retalhos para tirá-los da vista, quando cumpridos. Às vezes penso no espírito fragmentado do homem contemporâneo, capaz de multiplicar seus focos de atenção e simultaneamente ter dificuldades em manter um único foco por muito tempo. Ou então em sua multiplicidade superficial de conhecimento, que em tudo se estende de maneira frágil, sapo pequeno pisando em folhas de um lago. Meus papéis rasgados seriam fragmentos disto que trago por baixo, escondido dentro da pele? E o que é? Segue um poema dos últimos cinco minutos.

Enquanto roía os poetas

hoje não tem poesia:
não há motivos pro verso
e muitos poetas morreram.

os outros poetas que restam
são vermes roendo as entranhas
dos corpos desenterrados.

os declamadores sensíveis,
que enchem os anfiteatros,
tossem, engasgam com o cheiro.

os cidadãos razoáveis
caminham solenemente,
que hoje não tem poesia.

May 9, 2008

Hoje eu só queria dizer qualquer coisa

Então deixo qualquer coisa dita!

Meretrício

moletons são abraços
pagos impessoais e insuspeitos
freqüentam os armários pelas quinas

moletons se emprestam
se indicam se dão
se amarram à cintura

sua forma é perfeitamente adequada
pro carinho íntimo
interminável

por mais que às ruas se saia
com um casaco nos ombros
dormimos de moletons

por mais que a elegância requeira
sobretudo e terno
não nos enganamos

o moletom é a pele
livre da culpa imensa
que carregamos por fora

nas noites que a vida é escura
desejamos pela morte
um dia ser como eles

May 8, 2008

A mulher de Schopenhauer

Como agradecimento a uma crítica generosa, posto este conto, ainda muito reticente a qualquer destreza que eu possa ter em prosa. Muita arte a todos neste fim de semana...

A mulher de Schopenhauer

Pouco queria. Pediu o cinzeiro e, após alguma insistência, aceitou uma garrafa de cerveja – que permaneceu intocavelmente cheia até que deixasse o bar. Sentou-se numa mesa de canto, próxima a uma espécie de alpendre que terminava na rua. Abriu a bolsa e retirou cigarros, um isqueiro e o xerox de um texto de Schopenhauer, livrando-o de um pequeno perfume, batons, outras maquiagens, um espelho de bolso, a carteira e estilhaços de lembrança. Pegou também uma tiara, para que organizasse o cabelo curto de maneira própria a ler por algum tempo e sem grandes perturbações.
Em torno deste ritual dos mais delicados, o bar se portava intempestivamente. Salvo escritores que se reuniam apáticos numa das mesas, todo o restante acompanhava com urros, copos e corpos um jogo transmitido em quatro televisões içadas ao alto. Estas lhes dizendo quando levantar, gritar, provocar, calar, todo o gesto. Por oposição, delegavam sussurros, confidências e baforadas aos escritores. Ela, somente, permanecia ilesa a qualquer tentativa dinâmica de acordo, enquanto fumava pausadamente.
Seu rosto, vertido incansável para a leitura, perfazia o único elemento de resistência àquela algazarra. Não só àquela, mas também os carros e o contraste das árvores no asfalto, que lhe serviam, ao fundo, de cenário, perdiam importância e beleza ante seus traços. Suas sobrancelhas, de mais corpo do que o usual, apertavam-se sutilmente. Seu nariz magro e escaleno apontava para o centro imaginado da folha, sem jamais oscilar ou aceitar mediação. Sua boca, dizendo algo, implorava qualquer entendimento.
De súbito, um alvoroço percorreu o bar como um arrepio na espinha. As nuvens da paisagem cumpriram sua ameaça e despejaram gotas robustas naqueles assentados às mesas mais distantes do centro. As atendentes, seguindo gritos firmes do balcão, aprontaram-se em descer os toldos, na tentativa de evitar que os freqüentadores julgassem melhor perder o restante do jogo a saírem levemente molhados. A leitora, contudo, mais uma vez, permaneceu inerte, absorta ao tempo, que, fora dela, mantinha o espetáculo. Tragos.
Na dissolução das letras em pequenas manchas – ou a um fim de parágrafo –, defrontou-se também com a necessidade de sair dali. Analisando rapidamente o bar, percebeu não haver mais para si qualquer espaço em que permaneceria acolhida em seus estudos. Resolveu-se por ir ao balcão e solicitar à gerente alguma resposta àquela insolubilidade. Infelizmente – ? – a mulher detrás do balcão ouviu com displicência e até se pôde notar certo humor em suas apologias e em sua inércia.
De onde estava, em poucos instantes, a mulher decidiu-se por ir. Abraçou a enorme bolsa que trazia ao ombro, jogou como um revide uma nota de dez junto à caixa registradora e caminhou para a saída. Interrompeu seu ímpeto quase à porta – lembrava-se do texto? Não – e ergueu um pouco o cenho para a chuva que ainda banhava carinhosamente as costas do bar.
Não houve o que ser feito. Retirou a tiara disposta a permitir, desta vez, riscos oblíquos, porém breves, lhe cruzando a vista. Protegeu um pequeno perfume, batons, outras maquiagens, um espelho de bolso, a carteira e estilhaços de lembrança com o corpo, e apressou um passo, depois outro e mais outro, saindo do campo de visão. Na mesa, as letras se emaranhavam gradativamente, os cigarros, depois o isqueiro, tornaram-se inúteis. Encharcados, pessoas e coisas trocam de papéis.

May 4, 2008

Poemas infantis

Motivado pelos comentários da última postagem, surgiram hipóteses sobre algo que me assombrava há algum tempo. Embora majoritariamente eu componha poemas e músicas em tom adulto, diversas vezes surge como proposta um tom infantil ou bufão nos meus versos. Este estigma infantilizante, principalmente depois de ler alguma coisa de psicanálise, sempre foi uma questão orbitante nas minhas preocupações. Será a opção de um lirismo pessoal em forjar determinado tom? Uma opção estética confrontadora, do tipo, "eis as relações aí no lúdico, não vê? Bom, acho que não me fiz entender. É realmente difícil explicitar este ponto da minha produção. Vou postar, então, alguns exemplos e qualquer luz sobre o assunto é absolutamente bem-vinda!

H

No princípio, todas as palavras vinham com agá
Antes.
Certo dia, por não se saberem úteis,
Resolveram deixar a empresa.

Como sempre há fura-greves
E dedos-duros (embora estes não se encaixem na contenda,
o que em nada impede posarem de figurantes)
Ficou o agá de hoje, de há, de halo,
De hipogrifo.
Dinorah, faceira que só ela,
Ora tem, ora não tem
O pensado,
Mas não dito.

Se bem que,
No caso de Dinorah,
O agá não é de princípio.


O sacrifício das pombinhas

as pombas tadinhas
são tão sujismundas
que até quando comem
erguem famintas a bunda


O maior arranjo do mundo

Quando não tinha mais nada o que fazer, tomou todas as flores do mundo
e deu a ela. Certo que não lhe cabiam nos abraços cada begônia, lys,
bromélia, rosa, todas as outras vis. Ela soube ganhar o presente.
Retribuiu com beijo breve de mil gametas, fecundado, leve.
Este floresceu no peito infértil do jovem a tarde inteira
e só a noite pôde acalmar o unímpeto da semente.
No dia seguinte, logo de manhã, foi somente
esperando marcar a data que entrariam
no primeiro concurso. Só ela tinha
flores, afinal. Mas encontrou,
no mesmo arranjo: beijo,
outro homem, ela; e
desfez-se baixo,
muito baixo
como a
péta-
la.

Ferrorama

os trilhos que puxam a locomotiva

May 2, 2008

Quanto mais, menos

Ando cético! Extremamente cético! Quanto mais produzo e estudo, mais me desloco. Não há razão para parar de fazê-lo, por isso agravo minha condição de estranho. Não tenho aceitado elogios, pois me agridem. Todo carinho, mesmo verbal, é suspeito. O tempo é uma fila extensa de indelicadezas. O mundo, um amontoado de tudo que é áspero e cortante. Meu verbo, na ânsia do abismo, despeja-se nos arquivos e microfones, mas rejeita o diálogo. Meus olhos são constantemente oblíquos e arredios. Quanto mais me sinto senhor da desorganizada unidade do meu ser, mais meus braços se alongam, mantendo a distância. O fim do processo é morrer semente, não, pólen, ainda mais mínimo. A teleologia, portanto, é necessariamente exógena!